Notas sobre corporeidade e cuidado numa visão
fenomenológica
Por Marcelo
Souza Oliveira e Thâmara Agnes.
Você tem consciência do seu
corpo? Que tipo de relação vem estabelecendo com este? Como tem cuidado do seu
corpo e de si mesmo? Nossa intenção é que, por alguns instantes, você leitor
possa refletir sobre essas questões muitas vezes negligenciadas e atropeladas
pelo imperativo racionalista e produtivista da nossa rotina diária.
Sabemos que desde cedo as
instituições sociais docilizam (controlam de modo sutil e dócil) os
corpos das crianças nas escolas, das mulheres no âmbito público, e de todos os
seres no que diz respeito às relações sexuais e amorosas. O mercado de trabalho
compra a força braçal masculina ou o corpo jovem que é produtivo, os mercados
da moda e de cosméticos comercializam o físico jovial, magro e perfeito,
a indústria farmacêutica respaldada pelas ciências biológicas vende a cura
para o corpo. Por fim, a mídia assumiu o papel ideológico de fazer circular as
representações corpóreas em que todos devem ser e estar
enquadrados.
Podemos concluir com isso
que é o fim da liberdade corporal? Estaria o corpo simbolicamente morto?
Teríamos dado um adeus ao corpo? Vamos refletir juntos ao longo do texto que a
resposta a essas questões pode ser singular para cada corpo e
pessoa.
Partindo de uma visão
mecânica, o corpo é apenas movimento e fisiologia, explicado pelas leis da
biologia e da física. Essa visão opõe corpo e mente, uma dicotomia que não é
natural, apesar de ter sido naturalizada. Consiste em uma construção social de
corpo nascida na modernidade, que tornou nosso corpo – e a nós mesmos – objetos,
produzindo uma noção de corporeidade arbitrária e adoecida.
Parafraseando
o poeta e filósofo francês Paul Valéry – “O mais profundo
é a pele”. Logo, falar de corpo é
falar do que há de constitutivo do nosso ser, da nossa existência e
subjetividade. Para o filósofo Alemão Edmund Husserl é no corpo que vivenciamos
a experiência imediata, que sentimos e nos subjetivamos.
Aprofundando a questão, Michel Foucault nos
lembra que o corpo estará sempre onde estivermos – não
se pode guardá-lo numa caixa e ir tomar um café na esquina – podemos até tentar
nos esconder, viajar até outro planeta, tentar manipulá-lo ou abandoná-lo, mas
“depois de tudo, ele mesmo tem seus recursos próprios e fantásticos” (2010,
p.12), estará conosco em cada despertar.
Podemos inferir até aqui que
é possível negar muitas coisas, mas não é possível negar ou fugir
do nosso próprio corpo e de sua profundidade. Ao falar de corpo, falamos então
sobre existência e visão de mundo.
Destacamos aqui a Psicologia
Fenomenológica Existencial ao conceber o ser humano como um ser que existe por
que tem consciência da sua existência no mundo, atribui sentido a si mesmo, ao
mundo, aos seres e as coisas a partir da sua história de vida que é
intransferível, ser atemporal, ser que se projeta, é fluido e está em
constantes mudanças por que é um ser de possibilidades, um ser livre, porém
responsável por suas escolhas e consequências destas. Por tanto, é um ser-no-mundo
e um ser-em-relação-com os outros, de modo que é
responsável por cuidar de si e dos outros. Por fim é um ser para morte,
pois é finito. A existência é transitória e fluida, assim como o corpo que é
transitório em sua representação, fluido em sua materialidade, sendo ainda pura
existência.
Podemos ir mais longe e
concluir que para cuidar de si é preciso re-conhecer a si através
do reconhecimento do nosso próprio corpo sempre em relação a outros corpos.
Pense: alguma vez já ficou sem dormir por estar ansioso para um compromisso
próximo? Alguma experiência vivenciada afetou ou vem afetando seu corpo? Aparecimento
de hematomas, alterações cardiovasculares (palpitações, aceleração), alterações gastrointestinais
(prisão de ventre, dores abdominais), alterações respiratórias
(hiperventilação) e dores diversas (principalmente na cabeça) são os principais
sinais enviados pelo corpo de que algo não vai bem.
Segundo o filósofo Merleau
Ponty é por meio do corpo que percebemos, sentimos e exteriorizamos
o mundo circundante. Somos ser-no-mundo por meio do corpo
vivo, que carrega nossas marcas, somos ser-em-relação
por meio do corpo que se expressa e se projeta.
É possível refletir então
que (a) somos um corpo, (b) temos um corpo e (c) nos
performamos (transformamos) por intermédio do (e com o) corpo.
Pareceu confuso? Talvez seja. Ponty entende o corpo como um ser total, porém, jamais
totalizado. Um corpo fenomenológico, mas também objetivo. Que está sempre em
movimento, em reconstrução e resinificação, como uma obra
de arte inacabada.
O corpo vivo, não pode ser reduzido ao status
de objeto, padronizado, comercializado, docilizado. Não deve, nem pode ser negligenciado.
Para cuidarmos da nossa existência no mundo (ou seja de nós mesmos) é preciso cuidar
dos nossos corpos, e a reflexão e conscientização de que corpo é esse,
talvez seja o primeiro passo para uma relação mais saudável.
Sugestão
de textos:
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir:
nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
FOUCAULT. Michel. O
Corpo Utópico. 2010. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/43645006/O-Corpo-Utopico-FOUCAULT-Michel
LE BRETON, D. Adeus ao Corpo – Antropologia e
Sociedade. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 2003.
MERLEAU- PONTY , M. Fenomenologia
da percepção. [tradução Carlos Alberto Ribeiro de Moura]. - 2- ed. - São
Paulo :Martins Fontes, 1999.
RAFAEL, P. A. A. de; CALDAS, T.
M.; QUEIROZ, E. F de. O Corpo em uma Perspectiva Fenomenológico-Existencial:
Aproximações entre Heidegger e Merleau-Ponty. PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO,
2012, 32 (4), 776-791.
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