O cuidado ontológico: um ensaio

                       
 por Profa. Dra. Erika Hofling Epiphanio

O objetivo do presente texto é refletir sobre a noção de cuidado partindo de uma perspectiva Heideggeriana em que discute o cuidado como uma expressão ontológica, ou seja, como algo que pertence ao ser existencial.
O cuidado faz parte de nossa existência, o que indica que somos cuidado e o cuidado nos pertence.  Esta visão dialética propõe uma compreensão do cuidado proposto pela fenomenologia em que tudo que é humano deve ser compreendido na relação deste com o mundo (ser-no-mundo) e deste com os outros (ser-com-outro). Somos cuidados e somos cuidadores em todas as dimensões de nossa existência.
Na visão de Heidegger o cuidado faz parte das condições humanas de amar. Não aprendemos a amar, simplesmente amamos. Não aprendemos a cuidar, simplesmente cuidamos. No entanto, é importante considerar que vivemos nossas experiências e a partir delas temos exemplos de manifestações destas e tantas outras ações e quando não conseguimos ter um processo reflexivo autêntico, muitas vezes somos conduzidos a apenas reproduzir os exemplos vivenciados.
Voltamos ao cuidar. Fernandes (2011, p. 15) afirma ”a essência da relação, que se instaura no cuidado do ser-com-outros, é aproximar-se-do-outro, deixar-se interessar por ele, se interpelado por ele e interpela-lo, ser solicitado e solicitar, responder e corresponder”.
Não somos sozinhos. Ninguém vive sozinho, ninguém nasce sozinho, ninguém se desenvolve sozinho, logo a relação do cuidado se instaura em toda a existência humana.
Quando o cuidado é discutido nos textos de Heidegger é notável a ampla dimensão desta perspectiva. O cuidar está relacionado aos outros, mas é fundamental compreender que o mesmo se revela também e primordialmente na relação consigo mesmo.
Pensemos... o bebê ao nascer não tem condições alguma de se cuidar, mas tem o instinto que garante seu cuidado, pois o mesmo, instintivamente tem a condição existencial de buscar o cuidado, quando, por exemplo, chora por necessidade de cuidado. Isto é natural, isto é humano. Isto é a beleza da vida!
Ao se pensar no cuidado ao outro, Heidegger trabalha com a ideia de solicitude como uma perspectiva deste cuidado, indicando a possibilidade de ver o outro como ele é, por meio de sua própria visão sobre si mesmo, se interessando pelo outro, sendo interpelado por ele e respondendo e correspondendo à relação estabelecida com ele. 
E assim, podemos agora refletir sobre o cuidado na relação terapêutica. Ao se pensar na relação terapêutica proposta pela fenomenologia já partimos de um primeiro ponto que se manifesta como de grande cuidado ao outro, pois, antes de pensar em teorias, conceitos e qualquer tipo de perspectiva pré-definida, é indicado que o terapeuta se abra a todas as possibilidades que a experiência com o outro lhe oferece. O estar junto, permitindo ao outro ser ele mesmo, sem crivos e julgamentos é a primeira e mais importante manifestação de cuidado que o terapeuta oferece ao seu interlocutor.
Porém, é importante considerar que só estamos aptos a cuidar inteiramente do outro, quando cuidamos de nós mesmos, cuidando de nosso bem-estar físico e psíquico. Cuidando de nossos pré-conceitos, cuidando de nossa história, só assim estaremos realmente abertos ao outro.
Concluindo esta ideia deixamos que o exercício da Psicologia seja um constante exercício de autocuidado para se abrir ao outro e poder cuida-lo.


Gostou do tema? Leia mais sobre em:

HEIDEGGER, M.  Todos nós ninguém. Ed. Moraes. 1981.
PEIXOTO, A.J.; HOLANDA, A.F. Fenomenologia do cuidado e do cuidar: perspectivas multidisciplinares. Juruá. 2011.

SANTOS, D. G.; SÁ, R.N. A Existência como “CUIDADO”: elaborações fenomenóligas sobre clínica psicoterapêutica. ANAIS DO CONGRESSO DE FENOMENOLOGIA DA REGIÃO CENTRO OESTE IV CONGRESSO DE FENOMENOLOGIA DA REGIÃO CENTRO OESTE Fenomenologia, Técnica e Ciências 19 – 21 de setembro de 2011.

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