Olá caros leitores.
O texto de hoje fecha os artigos do nosso Jornal Feno em notícias do semestre 2022.2.
Um texto criativo que nos traz importantes reflexões sobre a educação no sistema prisional.
Por Maria Giovanna Souza Barbosa
Todas as informações abaixo são meramente
ilustrativas. Esse é um texto fictício para exemplificar a forma como a
fenomenologia e o humanismo enxergam o homem.
Fenomenologia
e Humanismo
Narrador: A
revista “Fenomenologia e Humanismo” foi criada com o objetivo de relacionar os
conceitos acadêmicos, a ciência, com fatores da vida cotidiana no intuito de
mostrar aos nossos leitores a nossa posição diante das situações e dos
contextos que trazemos para discutir todas as semanas. Dessa forma, o tema de
hoje é “Educação e Sistema Prisional”, e, sob uma perspectiva fenomenológica e
humanista, tentaremos compreender esse fenômeno. Com isso, nós, equipe
psicológica, conversamos com Marcus para compreendermos sua perspectiva acerca
do tema. Vale ressaltar que Marcus nos deu permissão e se mostrou interessado
ao falar do tema:
Marcus: Eu fui
preso aos 18 anos, condenado a 3 anos de cadeia pelo roubo de uma moto e o
atropelamento de uma criança com ela.
Narrador: Com
a fala do jovem, nós, como seres humanos, mobilizamo-nos, julgamos e condenamos
ele, faz parte da nossa cultura. No entanto, para a fenomenologia, temos que
exercer o que chamamos de “redução fenomenológica”, que seria, antes de tudo,
uma atitude, a fim de colocar em suspensão as nossas tendências de pensamento.
Dessa forma, seria deixar de lado nossos julgamentos e pré-conceitos sobre as
situações e os contextos, para assim tentar enxergar como os indivíduos
vivenciaram um determinado fenômeno, o que seria voltar para “as coisas
mesmas”.
Entrevistador: O que aconteceu naquele dia?
Marcus: A
minha família sempre passou por muitas dificuldades, eu lembro de pedir comida
e não ter nada, só água. Então, um mês antes do que aconteceu, minha mãe foi
pedir dinheiro para um agiota lá do nosso bairro. Foi um valor alto, porque
tínhamos que pagar o aluguel, as contas e comprar o leite dos meus irmãos. E
foi isso que a gente fez. Mas, uma semana depois, ele queria o dinheiro de
volta e com juros, só que a gente já não tinha mais nada. Eu lembro da minha
mãe com o rosto machucado e dizendo que estava tudo bem. Eu sou o mais velho,
meu pai foi embora antes de eu nascer, então, como homem, eu precisava salvar
minha família, minha mãe, minha dignidade. Foi naquele momento que aconteceu,
eu estava do outro lado da da rua e vi uma forma de sair daquele inferno:
roubar. Eu precisava, aquilo seria minha salvação, eu venderia as peças e minha
mãe não morreria. Então eu fui lá e roubei. Mas, quando eu ia acelerar para
correr, uma menininha atravessou a rua correndo e a moto bateu nela. Parecia
que tudo tinha acabado ali.
Narrador: Esse
discurso de Marcus é muito interessante, pois permite que falemos sobre
conceitos muito importantes na fenomenologia: a questão da intencionalidade, o
ser-no-mundo e o ser-com-outro. A intencionalidade seria ter consciência de
algo e atribuir sentido a ele, portanto, há a possibilidade de entender e
compreender como o sujeito significa e qual o sentido dado àquele objeto. Sendo
assim, quando Marcus fala sobre o motivo pelo qual roubou, ele está consciente
do objeto e quando fala que aquele roubo seria a salvação da sua família, ele
está atribuindo sentido àquele objeto.
Outro fator muito
importante para compreender esse fenômeno seria a ideia de que o ser, o mundo e
as relações possuem uma relação de interdependência. Tendo isso em vista, a
fenomenologia estuda o ser-no-mundo e o ser-com-outro, pois existem
atravessamentos em todos os fenômenos, devido a eles estarem situados em tempo
e espaço. Dentro desse contexto, o roubo de forma isolada seria diretamente
relacionado à desonestidade, no entanto, quando compreendemos que existem
atravessamentos, como o caso de Marcus se sentir responsável pela família,
demonstra-se uma relação “ser-no-mundo”, já quando ele fala sobre os agiotas,
principais motivadores do crime, estamos falando de uma relação ser-com-outro.
Entrevistador: Me conte como foi a sua experiência dentro do sistema
prisional.
Marcus: Quando
eu fui preso e sentenciado, eu estava no primeiro ano do ensino médio. Achei
que tudo tinha dado errado, que não tinha mais volta e que minha vida não seria
a mesma, então, quando eu entrei, só tive certeza. No começo, eles falaram que
nós continuaríamos estudando, que pelo menos eu iria terminar o ensino médio,
porém, antes de tudo começar, os guardas já falavam coisas horríveis como “
você não serve para estudar”, “você é burro”, “nunca vai aprender nada, seu
merda”, “você só serve para a cadeia” e eu fui acreditando nisso, porque se eu
estava ali era porque eu não servia para nada e aquilo definiria minha vida.
Narrador:
Através dessa fala de Marcus, nós podemos discutir sobre como o humanismo
enxerga o homem. A partir desse relato, conseguimos enxergar falas
deterministas como “aquilo definiria minha vida”, uma frase que vai totalmente
contra o humanismo, pois acreditamos que o ser humano tem potencialidades e
capacidades e que nada é estático, visto que temos a capacidade de mudar
enquanto estivermos vivos.
Na psicologia humanista ocorre a valorização
do homem enquanto indivíduo dotado de subjetividade. Diante disso, temos a
concepção de Carl Rogers, grande figura do humanismo, sobre a tendência
atualizante, a qual acredita na capacidade do ser humano de crescer e de se
atualizar, como o exemplo de um girassol, que sempre está a procura da luz,
para assim, crescer. Nesse contexto, a psicologia humanista enxerga o psicólogo
como um facilitador nesse processo, pois, mesmo tendo a capacidade, os sujeitos
precisam adquirir consciência dela. À vista disso, fica bem claro no discurso
de Marcus que ele não possui consciência dessa capacidade, já que tomou como
verdade que seu futuro já estava determinado. Para isso, na Abordagem Centrada
na Pessoa (ACP) existem três condições facilitadoras desse processo no qual o
sujeito aprende a compreender suas capacidades: a empatia, a congruência e a
atitude positiva. Na congruência, o psicólogo deve ser honesto consigo mesmo,
sobre seus sentimentos e emoções, pois isso facilita para que o cliente também
seja honesto com ele mesmo. A empatia é a aceitação e a compreensão, a partir
do que o sujeito leva e não pelo que o outro pensa dele. E, por fim, a
aceitação positiva, que seria aceitar o outro como ele é, como ele vem, sem tentar
controlá-lo. Todos esses conceitos são fundamentais para a Psicologia
Humanista.
Marcus: Mesmo
passando 3 anos naquele inferno, eu os passei tendo acompanhamento com uma
psicóloga que me fez enxergar de uma forma diferente. Logo na primeira sessão,
ela disse que trabalharia com o “humano” que havia em mim e não com o que os
outros falavam. Daí em diante, eu passei esses três anos me reconstruindo e me
reformando diariamente. E quando finalmente saí, fiz supletivo e entrei para a
faculdade. Hoje eu estou no 8º período de Psicologia, e com isso, sinto que sou
capaz de tudo. Logo, aquilo que disseram sobre mim não era verdade, porque hoje
eu sei que esses anos na prisão não me definiam, pois eu era muito mais do que
me fizeram acreditar. Felizmente, hoje eu posso dizer que a minha família está
bem e que se não fosse pela Psicologia e pela Educação, eu não seria um novo
eu a cada dia que passa.
Narrador: Essa
última fala de Marcus nos faz refletir sobre o processo psicoterapêutico na
Psicologia Humanista e na construção do self.
Esse self seria, basicamente, uma
junção de como os outros nos enxergam e como nós mesmos nos enxergamos. Com
isso, podemos dizer, utilizando o discurso de Marcus, que o self não é estático, de modo que essas
concepções podem influenciar na perspectiva de mudança dos indivíduos, já que
apenas ele pode mudar a si próprio e como os outros o enxergam. Dessa forma,
Marcus mudou sua visão sobre si, seu self
foi reformado e continua sendo até hoje, como ele mesmo disse. Com efeito, esse
é o principal objetivo da psicoterapia na psicologia humanista, fazer com que
os sujeitos entendam que são capazes, que possuem potencialidades e, dessa
forma, podem mudar suas concepções acerca de si.
Apresentador: Obrigada, Marcus, por compartilhar sua história, ela foi de
grande importância para nossa revista!!!
Narrador: E
você, caro leitor, obrigada pelo interesse em conhecer essa parte da
psicologia. Na próxima semana vamos falar sobre violência doméstica. Até lá. E
lembre-se, “você é mais do que disseram e do que você acha sobre si”. Vá atrás
de ajuda psicológica e reconstrua-se.
FIM.
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