Por Filipe Silva
O quinto Com-versas do NEPFEE, realizado na última sexta-feira (04/07), teve como tema “Saúde mental e transexualidade: uma discussão necessária”. Como já é característico do projeto, o bate-papo foi ao mesmo tempo leve e profundamente potente. O próprio título do evento já indica a urgência da temática, que mesmo com avanços, a pauta da saúde mental de pessoas trans ainda carece de atenção e aprofundamento. Para enriquecer essa conversa, contamos com a presença de três convidadas que são atravessadas por esse tema: Aline Epiphanio Wolf, docente e fonoaudióloga; Lisa Arima, estudante de medicina e ativista; e Morgana Oliveira (CRP 02/26994), psicóloga.
Aline, por exemplo, desenvolve um trabalho voltado à voz e à comunicação, por meio da criação do Laboratório de Voz e Comunicação com a Pessoa Trans, espaço Transcender e o projeto de extensão “Voz que transforma”, ambos vinculados à Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Esse projeto é realizado em conjunto com outros estudantes, incluindo a Lisa, e têm como objetivo criar espaços de pertencimento para a população LGBTQ+. Além disso, oferecem oportunidades para que pessoas trans também ocupem espaços de produção de conhecimento, algo, infelizmente ainda pouco comum. Esses ambientes tornam-se, assim, não apenas locais de aprendizado, mas também pontos de encontro que ajudam a mitigar a solidão frequentemente vivenciada por essa população.
Lisa destaca que, além de ser parte do público-alvo do projeto, também participa de sua organização, o que considera um privilégio. Para ela, viver essa experiência é transformadora, especialmente por possibilitar o contato com discussões de gênero dentro da universidade, ainda que o preconceito persista. Foi nesse espaço que encontrou outras pessoas trans, o que a ajudou a iniciar sua própria transição, evidenciando a importância de espaços como esse, que permitam visibilidade e representativa. Ela ressalta, ainda, o valor do projeto na promoção da saúde mental, ao criar um ambiente onde é possível estabelecer vínculos afetivos que ajudam a lidar com os desafios, algo que nem sempre está presente na trajetória de outras mulheres transexuais. Lisa também enfatiza a importância da militância nesse processo, tanto como forma de resistência quanto como caminho para a construção de pertencimento e transformação social.
Morgana, por sua vez, destaca que continua investindo em sua formação para qualificar o atendimento a pessoas LGBTQ+, com especial atenção às pessoas trans- realidade que também atravessa, por ser travesti. Seu foco está em compreender como as políticas públicas chegam (ou deixam de chegar) a essa população, especialmente no acesso aos serviços do SUS. Em sua atuação terapêutica, Morgana tem se dedicado a um processo de reparação de danos causados por diversas formas de violência, adotando um olhar analítico interseccional que permite acolher a pluralidade. Além disso, relata que tem sido convidada para participar de eventos e compartilhar seus saberes, contribuindo para a formação de outros profissionais. No entanto, pontua que o preconceito direcionado às pessoas trans se configura em transformá-las em alvos de ódio, algo que Lisa reforça ao afirmar que elas frequentemente são usadas como bodes expiatórios em discursos de ódio durante momentos de tensão social.
Em relação ao nome social, Morgana destaca que a elaboração de novo nome é uma travessia surreal, e ao não respeitar o direito dela de decidir sobre si, nega-se, assim, sua existência, sendo uma violência exacerbante. A não utilização do nome social em espaços públicos de saúde, além de evidenciar uma grave violação de direitos, pode provocar o afastamento de pessoas trans desses serviços, negando-lhes o acesso a algo que é universal: o direito à saúde.
Aline comenta que o SUS tem desenvolvido uma proposta de atenção à saúde voltada à população trans, intitulada Paes Pop Trans. No entanto, o programa ainda aguarda a assinatura do ministro da Saúde, o que representa uma oportunidade perdida de avançar na promoção da saúde integral para essa população. Diante dessa inércia institucional, ela ressalta que os ambulatórios, como o que ela mesma coordena, seguem promovendo cuidado no acesso de pessoas trans a serviços públicos de saúde. Lisa destaca que, para além da criação e implementação de políticas públicas, é fundamental transformar o imaginário social. Isso passa, entre outras ações, pela presença e permanência de pessoas trans nos mais diversos espaços. Bem como na mudança nos processo de formação dos profissionais que promovem saúde, que ainda operam sobre a óptica da patologização. Por fim, Morgana enfatiza a importância de amar pessoas trans e travestis e, sobretudo, de protegê-las com os recursos e possibilidades que cada um tem ao seu alcance.
Caso queira assistir ou (re)assistir a essa com-versa, clique aqui: https://www.youtube.com/watch?v=QWwthe0E1gA . E mês que vem teremos mais uma conversa enriquecedora. Tchau, tchau e até breve.
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