por Maria Clara Amariz.
Os esportes eletrônicos ou eSports,
são hoje indiscutivelmente, um dos grandes setores que movimentam a economia no
mercado dos games. Os jogos evoluíram significativamente nas últimas décadas.
Com a pandemia do covid-19, houve um aumento expressivo no consumo de jogos
eletrônicos e na quantidade de espectadores que buscam plataformas de streaming
(Zakalski et. al., 2024).
Diante deste cenário, no dia 22 de agosto, ocorreu a sexta edição do “Com-versas do NEPFEE”, com o tema “Abordagem centrada no atleta e os esportes eletrônicos”. O evento, realizado de forma remota através do youtube do NEPFEE, reuniu especialistas para discutir os desafios e as possibilidades da atuação psicológica no universo dos eSports, uma área em crescente expansão e que exige cada vez mais atenção.
Participaram da conversa o psicólogo
Avelino Ribeiro, membro da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte
(ABRAPESP), e Júlia Grannier, psicóloga clínica com especialização em
psicologia do esporte e neurociências. Ambos trouxeram reflexões importantes
sobre o papel da saúde mental e do acompanhamento psicológico nos cenários
competitivos digitais.
Quando pensamos nas terapias
humanistas relacionadas a este cenário, cabe destacar que variáveis como idade,
acesso à tecnologia, conhecimento da tecnologia, localização do paciente e
situação de vulnerabilidade (pobreza, questões de gênero, raça, orientação
sexual, pode, fazer diferença na forma como o atendimento será prestado (Fortim
e Minipoli, 2024), uma vez que existem jogadores com diversas questões e
fenômenos que atravessam sua existência no mundo e dentro dos esportes
eletrônicos.
Avelino destacou a importância de
enxergar o atleta de esportes eletrônicos para além do desempenho técnico,
considerando aspectos emocionais, sociais e cognitivos. “O esporte, mesmo
eletrônico, não é uma simples atividade de um fator fisiológico limitante
[...], nós precisamos ter um pouco mais de consciência humana para o jogo
eletrônico, em que sentido, em não deixar se perder a pessoa que se é por
relações de jogos eletrônicos”, afirmou. Sua reflexão ecoa diretamente com os
princípios das terapias humanistas, que colocam a pessoa no centro do processo,
valorizando sua subjetividade, emoções, relações e sentido de vida. Nos
eSports, onde a pressão por resultados e a exposição constante podem afetar
profundamente o bem-estar mental, é fundamental reconhecer o jogador como um
ser humano integral, com necessidades emocionais e sociais. Afinal, como
Avelino pontua, é preciso ter consciência humana para que o jogo não consuma a
identidade de quem joga, preservando o equilíbrio entre o ser e o jogar.
A convidada Júlia Grannier abordou a
necessidade de estratégias específicas para a realidade dos e-atletas, que
muitas vezes enfrentam longas jornadas de treino, pressão por resultados e
pouca estrutura de suporte psicológico, em algumas vezes sendo estes atletas
bastante jovens. Essa necessidade foi percebida por ela na época da pandemia,
quando ela ainda estava na graduação. “Uma das coisas que eu pude observar
bastante, principalmente relacionado a clínica do esporte, é que a gente tem
que parar de achar que o atleta é um herói indestrutível, antes de ser atleta é
uma pessoa”, explicou. A observação de Júlia Grannier reforça um ponto crucial
tanto nos esportes eletrônicos quanto na abordagem das terapias humanistas: o
reconhecimento da vulnerabilidade humana por trás da imagem do atleta. Em um
cenário onde os atletas dos eSports, muitas vezes jovens, tem uma estrutura
ainda incipiente de suporte psicológico, torna-se urgente desenvolver
estratégias específicas de cuidado. A fala de Grannier, surgida ainda durante
sua formação, alinha-se com os princípios humanistas ao afirmar que, antes de
ser atleta, qualquer indivíduo é, acima de tudo, uma pessoa. Essa perspectiva
rompe com o mito do “herói indestrutível” e se aproxima da compreensão proposta
por Carl Rogers e outras correntes humanistas, que enfatizam a escuta empática,
o respeito à experiência subjetiva e a importância de ambientes seguros para o
crescimento pessoal. No universo dos eSports, essa visão é essencial para
promover saúde mental e desenvolvimento humano duradouro, e não apenas
rendimento técnico.
O evento foi promovido pelo NEPFEE e teve como objetivo ampliar o debate sobre práticas mais humanizadas no campo esportivo, especialmente no ambiente digital. A participação do público foi ativa, com perguntas e trocas que enriqueceram ainda mais o diálogo. Com base nas falas dos convidados, da sexta edição do Com-Versas reforçou a urgência de uma abordagem mais humana e integral no acompanhamento de atletas de esportes eletrônicos. Ficou evidente que, por trás da performance digital, existem sujeitos com emoções, histórias e vulnerabilidades que precisam ser acolhidos. A escuta qualificada, o cuidado com a saúde mental e o reconhecimento das particularidades do universo dos eSports são fundamentais para promover o bem-estar e o desenvolvimento saudável desses atletas.
Referência:
ZAKALSKI, Natalia; FORTIM, Ivelise; GRANNIER, Júlia (org.).
Psicologia dos esportes eletrônicos: teoria e prática. São Paulo: Senac São
Paulo, 2024.
Indicação de leitura:
Livro: Psicologia dos esportes eletrônicos: teoria e prática
(editora Senac São Paulo), organização de Julia Grannier, Natalia Zakalski e
Ivelise Fortim.
Artigo: Documento de perspectiva (“perspective paper”) que chama atenção para saúde mental dos jogadores de esports, estressores específicos, e necessidade de sistemas de suporte adaptados ao contexto. Frontiers | Promoting mental health in esports (frontiersin.org)
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