Saúde Mental e Práticas Corporais

 Por Denner Dias 

Foi ao ar no dia 31/10 o 8º Com-Versas do NEPFEE, abordando o tema “Saúde Mental e Práticas Corporais”, mediado por Shakia Guedes e com a participação de Ítala Daniela Lirius, Lis Moreira Cavalcanti, e Demetrius França.

Através das provocações feitas aos participantes, esse programa traz a corporeidade à tona, situando-a na política, na saúde e no cerne da existência humana, contrariando as tendências dicotômicas onde corpo e mente são uma unidade. O encontro se estabelece como um movimento de decolonização do pensamento no campo da saúde.

A fala de Ítala sobre a presença do corpo no cuidado e no sistema de saúde de Pernambuco evidencia as problemáticas de formação que a área da saúde carrega, a herança cartesiana nas ciências: "o que a gente tem que discutir é, antes de tudo, a formação de quem atende, né? [...] A gente ainda tem uma formação muito cartesiana, muito dicotômica, que descola esse psíquico do corpo.". Em contraste, ela resgata Hannah Arendt: "política é o que acontece entre as pessoas, e essa aparição no mundo, ela é mediada pelo corpo".

Ramón Grosfoguel traz em seu artigo sobre a estrutura do conhecimento nas universidades uma série de características que o ensino superior herda do pensamento de Descartes, dentre eles a ideia de um corpo clivado da mente, o Dualismo Ontológico, onde a mente seria uma substância diferente e incondicionada pelo corpo. Essa pretensão a um conhecimento "não situado" leva a uma perpetuação do corpo como algo a ser descreditado de importância, seja nas decisões políticas ou na construção de uma saúde plena (isto é, bio-psico-social).

Essa característica permeia a formação dos profissionais de saúde e desemboca em diversas problemáticas evidenciada pelos participantes, como a falta de sensibilidade para marcadores sociais e um tratamento biomédico da saúde corporal das pessoas, onde mesmo que se reconheça a importância da atividade física, por exemplo, ainda é uma preocupação mediada por marcadores biológicos, sem atenção à subjetividade e às condições de espontaneidade do corpo que está buscando saúde. Esse foco apenas no biológico e na intensidade ignora o "atrofiamento existencial" que o sofrimento psicopatológico impõe.

Falar de corporeidade e saúde mental também é falar de política, pois o corpo é o primeiro delimitador da existência humana, é o que separa o sujeito do mundo que o circunda. Dentro dessa lógica, é crucial dar ressonância à falas como a de Demetrius, que defende que falar de corpo é falar de marcadores sociais (gênero, raça e classe). Inserir isso na saúde é crucial para a produção de cuidado, mas também para o reconhecimento político da existência e das condições que os sujeitos dispõem para Ser-no-Mundo.

O corpo é o registro vivo da colonização do ser e da inferioridade epistêmica, sendo o primeiro local onde as couraças (musculares e psíquicas) se manifestam, como bem pontuou Lis Moreira Cavalcanti. O acolhimento terapêutico, nesse sentido, deve ser uma ação política que, ao invés de buscar a neutralidade cartesiana, reconhece o Corpo enquanto mediador do psiquismo e morada da subjetividade. A clínica se torna o espaço para a revitalização da vontade e da espontaneidade, um caminho para que o corpo-sujeito reassuma sua capacidade de "aparecer no mundo".

O Com-Versas sobre "Saúde Mental e Práticas Corporais" questiona a estrutura fundamental das universidades ocidentalizadas, herdeiras de um genocídio/epistemicídio implementado pelo projeto colonial e patriarcal. A pretensão do "penso, logo existo" cartesiano, que nega a corporeidade, precisa ser substituída pela escuta dialógica e interepistêmica.

Descolonizar o conhecimento em saúde exige o rompimento com o universalismo onde "um define pelos outros". O conhecimento produzido a partir do corpo político dos sujeitos em sofrimento, das epistemologias do Sul e das práticas que integram o psíquico ao corporal, é o caminho para um pluralismo de sentidos e para a construção de um mundo mais justo e plural.

Nosso encontro foi extremamente potente e esclarecedor, lançando luz sobre o corpo como mediador de cuidado e de aparecimento político no mundo.



Caso queira assistir ou rever essa Com-Versa, que nos lembra que a vida só pode ser vivida através de um corpo que sente e se move, clique aqui: Saúde Mental e Práticas Corporais - NEPFEE



Indicação de leitura:

BARREIRA, C. R. A.; SILVA, I. D. (2025) Práticas corporais para promoção comunitária de saúde mental: Educação Física e Psicologia do Esporte na atenção à saúde mental - aspectos teóricos e práticos. São Carlos: Pedro & João Editores, 2025.

GROSFOGUEL, R. (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, 31(1), 25–49.

 

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