Versão de Sentido, por Mauro Amatuzzi!

Bom dia caros leitores,
Hoje um dia muito especial para o NEPFE. Neste dia dos professores, iremos publicar um interessante texto produzido por um grande mestre, um grande professor, um grande psicólogo humanista e acima de tudo uma pessoa Maravilhosa: Prof. Dr. Mauro Martins Amatuzzi.
A convite do NEPFE, Mauro Amatuzzi gentilmente escreveu o texto que se segue sobre Versões de Sentido, uma ferramente reflexiva muito interessante que tem sido bastante explorada nos trabalhos realizados pelo NEPFE.
É uma honra para nós ter esta contribuição. Agora com vocês o texto do mestre!

VERSÕES DE SENTIDO

Por Prof. Dr. Mauro Martins Amatuzzi

Fazem alguns anos, quando eu ainda era docente ativo na USP, alguns ex-alunos recém-formados me pediram um grupo de discussão de questões trazidas de sua prática, seja no campo de atendimentos psicológicos, seja no de atividades educativas. Se bem me lembro, o grupo acabou se configurando como um grupo informal de supervisão. A proposta foi, então, que cada um trouxesse um relato vivo da experiência que queria considerar. A partir desse relato os outros participantes expressariam suas reações e iniciaríamos assim uma conversa sobre aquela prática.

Naquele início interferiu na proposta um fato aparentemente acidental: ninguém queria mais escrever relatórios detalhados porque, como alunos recém-formados, estavam cansados de fazer isso. Reproduzir por escrito os diálogos e a sequência de fatos ocorridos na atividade que queriam considerar, isso não mais fazia muito sentido para nenhum dos participantes. Resolvemos então que iríamos colocar por escrito apenas umas poucas palavras, ou poucas frases, que pudessem servir de lembrete ou de resumo da atividade. Deixaríamos de lado a ideia de reproduzir descritivamente o ocorrido e tentaríamos captar num breve texto, em algumas poucas linhas, o essencial, o que a cada um parecia ter sido o sentido principal do encontro que estava sendo trazido para ser compartilhado e discutido.

Iniciaram-se então duas linhas de desenvolvimento do método desse grupo. Uma delas foi a de irmos aprendendo, individualmente, a captar o essencial, o sentido do encontro. E a outra foi a de levarmos adiante, no grupo, uma conversa que fosse significativa para os participantes, que fosse útil na orientação de sua prática e de suas disposições no encontro com as pessoas. Essas duas linhas foram se desenvolvendo em paralelo, mas não sem interferir uma na outra. Poderíamos dizer, quem sabe, que quanto mais conseguíamos captar o essencial do encontro, mais significativa era a conversa que se seguia no grupo. E o contrário também era válido: quando a conversa no grupo era significativa, o participante que tinha trazido sua experiência entendia melhor como deveria escrever a partir de seu próximo encontro.

Lembro-me de duas ocorrências que me mostraram a fecundidade desse grupo. Uma foi quando uma das participantes que, além desse grupo informal, participava também de uma supervisão formal, nos contou que o nosso grupo estava sendo mais significativo para ela do que aquele de supervisão formal. Ela chegou a sair do outro grupo para ficar somente com esse nosso. Fiquei até preocupado na época, mas respeitei sua decisão. Algo novo parecia estar acontecendo ali.

O outro acontecimento foi já num grupo posterior. Um aluno meu não estava querendo ler para o grupo seu relato breve do essencial de uma sessão terapêutica conduzida por ele porque, dizia, achava que não faria sentido, pois não contava nada da sessão. Insisti que ele lesse assim mesmo e ele finalmente o fez. Depois eu pedi que os demais participantes do grupo dissessem que sentido aquele pequeno texto tinha feito para eles. Quando todos terminaram de dar suas reações, o aluno, espantado, disse que seus colegas tinham descrito a sessão exatamente como tinha acontecido, sem que ele tivesse contado nada em seu relato.

Resolvemos denominar esses relatos breves e espontâneos de Versões de Sentido. Uma Versão de Sentido (VS) era então um pequeno texto, escrito imediatamente após o término de uma atividade, quer dizer, antes de a pessoa se envolver com outra atividade, tentando captar o essencial ou o sentido do encontro ocorrido, sem a preocupação de reproduzir os fatos tais quais ocorreram.

Verificamos então que as VSs se constituíam muito mais como uma forma de registro fenomenológico do que de um registro empírico. Esses pequenos relatos incluíam o sujeito e suas reações, em vez de tentar excluí-lo. Tiravam proveito dos sentidos captados em sua elementar experiência pré-verbal.

Verificamos também que esses relatos podiam ser muito úteis nas supervisões, pois serviam de lembretes do essencial para os autores e de desencadeantes de uma conversa significativa que clareava coisas para o sujeito preparando-o para sua próxima atividade.

Podemos escrever Versões de Sentido não apenas de sessões terapêuticas, mas de qualquer atividade que de alguma forma nos toca (um passeio, um filme que assistimos, uma palestra que ouvimos, até mesmo uma audição de música ou um show). Um trabalho em torno dessas Versões de Sentido tende a explicitar o sentido dessas atividades para nós e, por isso, a estimular nosso crescimento e reflexão.

Além disso tudo, esse modo envolvido de escrever pode ser estendido a textos mais longos (pesquisas, dissertações, livros, poesias etc). O resultado serão textos sentidos, mais fenomenológicos, que contam de maneira mais próxima a experiência de seu autor.


Mauro Amatuzzi é responsável por grande parte das produções acadêmicas nacionais em Psicologia humanista. Com destaque os livros:

AMATUZZI, M. M. . Por uma Psicologia Humana 3a.ed.. 3a.. ed. Campinas: Editora Alínea, 2010. v. 1. 143p .

AMATUZZI, M. M. . Rogers: ética humanista e psicoterapia. 1. ed. Campinas, SP: Editora Alínea, 2010. v. 1. 85p .

AMATUZZI, M. M. . A Alma Humana em Tomás de Aquino: Um debate Antigo e Atual. Campinas: Alínea, 2008. 100p .

AMATUZZI, M. M. (Org.) . Psicologia e Espiritualidade. 1. ed. São Paulo: Paulus, 2005. 239p .

AMATUZZI, M. M. . O resgate da fala autêntica: filosofia da psicoterapia e da educação. 1. ed. Campinas: Papirus, 1989. v. 1. 200p .

AMATUZZI, M. M. . Retratos da vida. 2. ed. São Paulo: Ave Maria, 1988. v. 1. 144p .

AMATUZZI, M. M. . Crescimento e ajuda - veredas em psicologia. 1a. ed. São Paulo: Cortez, 1980. v. 1. 104p .

AMATUZZI, M. M. . Paz inquieta (temas para uma reflexão sobre o cristianismo). Petrópolis - R. J.: Editora Vozes, 1973. 113p .



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