Psicologia do Esporte e Fenomenologia: uma possibilidade

Profa. Dra. Erika Höfling Epiphanio

Caros leitores, este texto vem para discutir de que maneira a Fenomenologia e a Psicologia do Esporte se relacionam partindo da minha prática profissional.
Desde 1996 venho trabalhando com a Psicologia do Esporte e com a Fenomenologia, tanto como área de atuação profissional, como de investigação científica.
No entanto, é notável que a Fenomenologia ainda sofre descrédito, por falta de conhecimento das pessoas sobre suas possibilidades. Mas também pudera: esta visão de homem entrou apenas recentemente nas grades curriculares dos cursos de Psicologia, assim como a Psicologia do Esporte que  é outro campo ainda pouco conhecido e, infelizmente, pouquíssimo presente nos cursos de graduação da área. Logo, falar de Psicologia do Esporte e Fenomenologia é, sem dúvida, um desafio e uma quebra de paradigmas.
Em minha prática de quase duas décadas trabalhando como psicóloga no contexto esportivo e acreditando completamente na visão de homem que a Fenomenologia me ensinou, vejo esta junção como um casamento perfeito. Vou explicar.
O esporte de alto rendimento é visto como a manifestação suprema da superação, das quebras de recordes, de vitórias, de derrotas, de subidas e descidas. É o homem trabalhando no esforço extremo, buscando os limites de suas forças. Em geral, os atletas são vistos pela mídia, pelos treinadores, pelos torcedores e às vezes pelos familiares e até por eles mesmos, como seres máquinas, que conseguem feitos desumanos. Todavia, todos os atletas são seres humanos, às vezes treinados a quebrarem os padrões por suas performances, mas são gente como a gente! E aí vejo o como a fenomenologia é de grande relevância para se trabalhar com atletas, pois esta visão de homem considera a subjetividade humana, proporcionando ao indivíduo um aprofundamento do conhecimento de sua existência, para que este possa conhecer-se a si mesmo, que possa refletir sobre a sua relação com o mundo que pertence (esporte e extra-esporte) e ainda que tenha um maior conhecimento das suas possibilidades.
A fenomenologia parte do princípio que o homem é um ser temporal, logo relativo e imprevisível. Acredita-se que o conhecimento sobre si se dá na relação deste com o mundo ser-com-mundo e na relação ser-com-outros. Então esta perspectiva aplicada à Psicologia do Esporte no leva a conceber o indivíduo atleta, considerando o contexto em que vive (esporte e vida pessoal), as relações que são estabelecidas na prática esportiva (treinadores, adversários, companheiros de equipe, mídia), assim como as relações da vida pessoal.
E por falar em ser-no-mundo, contextualizando o homem atual, aqui e presente, temos que considerar que o atleta hoje vive a pressão da produtividade, assim como todos os trabalhadores em seus contextos específicos. A produtividade é o comportamento esperado pelo homem atual. E é fato, o homem, o indivíduo, o atleta autônomo, possui habilidades mais sustentáveis ao modo de ser produtivo.  A escuta fenomenológica do atleta aponta para reflexões sobre o potencial do autoconhecimento para o desenvolvimento positivo da autoestima, da responsabilização pelas escolhas e total autonomia no processo de construção da vida de atleta.
O trabalho psicológico de orientação fenomenológica estabelece uma perspectiva mais humana à compreensão do atleta, possível de autorreflexão e de encontro do atleta com seu ser existencial  e que ao se conhecer mais profundamente amplia as suas possibilidades de realização.
Sim, é assim que vejo e que acredito, que o caminho da superação e da realização em qualquer contexto acontece pela apropriação do indivíduo de sua vida, de suas escolhas, do sentido de suas buscas e das suas possibilidades.
Neste sentido, gostaria de apontar para aquilo que tem se mostrado mais significativo em minha prática profissional. Quando se trabalha com atletas em uma perspectiva mais humana e humanista (assim considero minha fundamentação teórico-prática) podemos ver que os efeitos reflexivos vão além do esporte. Considerando que o esporte enquanto profissão para o atleta é de vida curta, então pensar em práticas que transcendam este ponto específico da vida do atleta é muito significativo e apesar de enfrentar tantas resistências e preconceitos em meu trabalho, ainda me emociona, quando constato que algumas vivências no esporte permitem aberturas humanas.
Para finalizar este texto gostaria de apontar o quanto o esporte é rico em experiências humanas e por isso muitas vezes associados ao desenvolvimento de competências de vida. Com isto o esporte pode e deve ser trabalhado com o objetivo primeiro de desenvolver pessoas, sendo a emersão de talentos e de grandes fenômenos esportivos apenas uma consequência deste movimento.
Tenho a convicção que quanto mais trabalhamos de maneira humana a educação, sendo o esporte uma ferramenta educacional riquíssima, podemos ter um mundo mais humano e logo um mundo melhor!


Recomendo a leitura dos textos:
Garcia, R.P.; Medeiros, C.; Zaremba, R.S. (2011) Desenvolvendo competências de vida através do esporte: relato de uma experiência. Rev. Brasileira de Psicologia do Esporte, São Paulo, v. 4, n.1.

Marques, J.A.A. & Kuroda, S.J (2000) Iniciação esportiva: um instrumento para a socialização e formação de crianças e jovens. In: Rubio, K. Psicologia do esport: interfaces, pesquisa e intervenção. Casa do Psicólogo.  

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