A inCORPOração dos gêneros e uma possível desconstrução a luz da Fenomenologia.

Nesta semana o NEPFE discutiu a questão de gênero, principalmente no contexto educacional. 

por Ravena Araújo e Thâmara Agnes

O corpo, assim como tudo que é visível dentro da sociedade, é um lugar de controle social. Existem normas e julgamentos morais atribuídos aos corpos, principalmente no que diz respeito às relações de gênero.
Pensemos em um casal gravido, geralmente a primeira pergunta que um conhecido faz a eles é: “É menino ou menina?”. E partir da resposta que se desdobra a linha em que esse bebê vai vir a ser no mundo. A sociedade dualista oferece em primeira instância duas cores pra o novo enxoval do bebê e dois modelos de criação da criança (no âmbito familiar e escolar) para que cada gênero exerça com eficácia seu papel quando adulto e, todas essas experiências são apreendidas pelos corpos, pois através deles o mundo é significado.
O corpo humano nas instituições sociais é reduzido ao corpo biológico, de acordo com as funções atribuídas aos sexos (macho, fêmea) foram postulados e transmitidos papeis sociais, ou seja, o homem é forte, viril, determinado, por tanto provedor e chefe do lar; a mulher é frágil, sensível, logo, protetora da cria e cuidadora do lar. E isso se reflete durante a infância nos tipos de brincadeiras determinadas para cada gênero, e ainda que o cenário social esteja se modificando, os julgamentos morais ainda expressam estes moldes, havendo a necessidade de desnaturalizar os papeis de gênero e alargar os conceitos de feminino e masculino.
Para além de papeis sociais, o binarismo compreende apenas a heterossexualidade enquanto normalidade, bem como a expressão corporal e identidade de gênero condizentes com o sexo biológico. Há uma inscrição da feminilidade e masculinidade nos corpos e na mente dos seres, e todos que fogem a esse padrão são coagidos a se encaixarem a qualquer custo.
Fica evidente, então, a preocupação de desnaturalizar os sujeitos de corpos estáticos-lineares, para isso, utilizaremos conceitos da fenomenologia. As discussões aqui levantadas sobre gênero trazem a partir da perspectiva heideggeriana, a questão acerca do Dasein, na qual descreve-se a forma e a condição do humano, como presença da existência, da qual, segundo Merleau Ponty, desvela-se através do corpo.
O que é um corpo feminino? Ou masculino? Os contornos dos corpos não são rígidos, o corpo não é propriedade do sujeito, não existe a separação entre corpo e mente postulada pela ciência. Há uma intensa conexão, pois somos um corpo e, portanto, não há sujeito desvinculado de corpo. Na perspectiva fenomenológica-existencial “a existência precede a essência”, isso quer dizer que nascemos, somos lançados no mundo e a partir das nossas vivências, relações e escolhas tecemos quem somos em um processo constante que só se finda com a morte. Somos seres de possibilidades, fluidez, somos nosso corpo, logo, o corpo também é abertura e passível de modificação. De modo que o adestramento dos corpos é falível.
Gênero é uma construção social, ou seja, os corpos também o são, construções culturais, não se nasce homem ou mulher aos moldes sociais, nascemos pessoas e nos tornamos, homens ou mulheres e com características de ambos. Somos corpos possíveis, corpo vívidos que produzem novos sentidos constantemente, ainda que a sociedade suplantada por normas e moralidades seja limitadora e tente nos limitar. Deixamos aqui o convite pra que você, leitor, reflita sobre o copo reduzido ao orgânico e tente compreende-lo a partir de uma dimensão cultural da existência.

Somos corpos possíveis...


Indicação de leituras:
LOPES, Maycon Silva. Notas para uma fenomenologia queer. In: II Encontro Baiano de Estudos em Cultura, 2009. Anais do II EBECULT.

ROEHE, Marcelo Vial  and  DUTRA, Elza.Dasein, o entendimento de Heidegger sobre o modo de ser humano. Av. Psicol. Latinoam. [online]. 2014, vol.32, n.1, pp. 105-113.

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