Após o debate da semana passada, solicitamos ao professor Marcelo uma colaboração para nosso blog e Marcelo aceitou prontamente nosso convite e incrivelmente, poucos dias após o nosso debate sobre a violência na escola, nossa sociedade foi acometida por mais um crime bárbaro dentro de uma escola no município de Petrolina. Um daqueles acontecimentos que chocam nossa alma. No mesmo dia professor Marcelo tinha finalizado seu texto que segue a baixo, uma triste sintonia de acontecimentos que mais uma vez evidencia a necessidade de se refletir sobre este assunto.
Marcelo Ribeiro
Prof. da Universidade Federal do
Vale do São Francisco – Univasf
A violência é um
fenômeno complexo, multifatorial, com consequências e desdobramentos de longo
alcance, de gêneses difusas e entrelaçadas e que exige, justamente por isso,
uma abordagem não menos complexa. Isto significa dizer que qualquer política
que pretenda lidar com os fenômenos das violências não pode atuar de um modo
simplificado, visando apenas os efeitos, buscando causas únicas ou mesmo
subestimando seus desdobramentos. É por isso, portanto, que sua apreensão deve
sempre levar em consideração a pluralidade.
Essa abordagem
complexa, que nos remente a uma epistemologia da complexidade (MORIN, 2007),
nos mostra que as compreensões acerca dos fenômenos das violências e suas ações
de enfretamento precisam ser igualmente complexas. Uma possibilidade de
abordagem complexa são as ações chamadas políticas intersetoriais (RIBEIRO e
RIBEIRO, 2015). Por exemplo, programas que articulam saúde e educação para
lidar com a temática sexualidade nas escolas. Assim, as chamadas políticas ou ações
intersetoriais têm indicado um novo modo de compreender e agir, levando em
consideração a complexidade. Sobre isto, retomaremos logo adiante para
especificar algumas dessas políticas em contextos que envolvem a escola.
Ao tematizar a questão
da violência há ainda que se considerar suas dimensões globais e locais. Em um
mundo cada vez mais conectado e globalizado, os fenômenos das violências ganham
contornos mundiais de modo que as violências passam ser compartilhadas. Esse
seria o caso, por exemplo, dos franco-atiradores que saem assinando pessoas
aleatoriamente e que se manifestam em vários países. Assim, este tem sido um
fenômeno, infelizmente, comum em diversas partes do mundo.
No que tange a dimensão
local, é imprescindível considerar que cada contexto, que cada região tem sua
história, sua gênese da violência. Sem desconsiderar os bárbaros episódios de
“violências gratuitas”* e sem razões aparentes, mas que associados a contextos
locais, como os esfaqueamentos de crianças nas escolas, o que prevalece em
termos de gênese da violência no Brasil está muito mais associado às condições
de vida do povo. Nesse sentido, não dá para fazer qualquer análise sem levar em
consideração os enormes fossos sociais existentes em nossa sociedade. O Brasil,
dos países considerados democráticos, é o mais desigual do ponto de vista da
distribuição de riquezas. Sendo assim, a violência vivida pela sociedade
brasileira passa, sem dúvidas, pela questão da desigualdade social, mas também
é atravessada pelo preconceito racial, pelo machismo e outras formas de
segregação.
Não é por menos, por
exemplo, que o Mapa da Violência no Brasil (http://www.mapadaviolencia.org.br),
vai revelar que o homicídio contra negras aumentou 54% em 10 anos. Mostra ainda
que os homicídios representam quase
metade das causas de mortes de jovens de 16 e 17 anos. As principais vítimas
são adolescentes do sexo masculino, negros e com baixa escolaridade. Estes
dados demonstram que a violência no Brasil tem marcadores, neste caso relativos
a classe social, a idade, ao gênero e a etnia.
Considerando estes aspectos até aqui apresentados acerca da violência é
mister considerar, ao focar a questão da violência escolar, de que a escola
está inserida em uma sociedade, mas que também a sociedade se expressa no
interior da escola. Em outras palavras isto quer dizer que os problemas e
desafios vividos pela sociedade vão reverberar na escola. Porém, isto também
indica que a escola tem a capacidade de exercer um papel protagonista de
transformação. Sobre isso vale a pena lembrar Paulo Freire quando este dizia
que a escola não transforma a sociedade, mas a sociedade não se transforma sem
a escola, ou mais especificamente, sem a atuação da educação (FREIRE, 2000).
Sem querer
pormenorizar a discussão, sabemos que a violência pode ser classificada, a
grosso modo, em violência física e violência simbólica. E ainda a violência, no
contexto escolar, pode tomar a variação de violência “NA escola, DA escola e
CONTRA a escola” (COLOMBIER, MANGEl e PERDRIAULT, 1989; ARAÚJO, 2002). A
primeira seria a violência vivida no interior da escola, como as brigas entre
os alunos, por exemplo, ou os casos de assassinatos. O segundo tipo seria a
violência cometida pela própria escola, quando esta, por exemplo, produz o fracasso
escolar de maneira camuflada e termina por responsabilizar o aluno pelo
insucesso. Infelizmente, esse tipo violência tem sido uma tônica assumida pelas
políticas públicas, quando incorporam a exclusão na “comemoração” da promoção
das séries, ou seja, quando passa os alunos sem estes terem construído seus
respectivos conhecimentos e garantido o mínimo de aprendizagem (sobre isso vale
a pena ver o trabalho de Maria Helena Souza Patto, “A produção do fracasso
escolar. Histórias de submissão e rebeldia”). Por fim, o terceiro tipo, a
violência contra a escola, é aquela em que o patrimônio escolar é
intencionalmente danificado, evidenciando uma expressão de violência contra a
própria escola e tudo aquilo que ela pode vir a simbolizar. É claro que essas
classificações e variações aparecem, muitas vezes, de modo imbricado.
Recuperando o que havíamos dito sobre a abordagem complexa e a questão
da intersetorialidade, no contexto escolar, vale a pena citar alguns programas,
justamente para evidenciar suas importâncias, exercitar a crítica e buscar
ultrapassar suas limitações. O primeiro seria o Programa Escola Legal. Este
programa que, resumidamente, visa trabalhar a questão da formação para
cidadania, tenta articular esforços do judiciário e da educação. Uma das
limitações tem sido a dificuldade dos atores que atuam na ponta (como os
professores ou os operadores do direito), que terminam reproduzindo concepções
convencionais para lidar com a violência, como a imposição da autoridade ou
mesmo a pedagogia do medo. Uma outra ação (aqui não mais um programa porque
toma contornos bastantes variados) são as chamadas formações de mediadores de
conflitos. Estas ações demostram uma riqueza de possibilidades das escolas
mesmas serem protagonistas e proporem ações dessa natureza que visam, de modo
geral, a qualificação de estudantes que possam atuar, preventivamente ou não,
em situações de conflitos no âmbito da escola. Um problema dessas ações é
também a variedade de concepções que podem compor a formação do estudante, indo
desde uma compreensão do diálogo à militarização como recurso para dirimir os
conflitos. Por fim, e tão somente como possibilidade de exemplos, há a chamada “cultura
da paz”. Esta tem como positivo a
capacidade ou a pretensão de mobilizar e envolver toda a sociedade e não apenas
ficar restrita ao interior dos muros das escolas. Porém, o que se observa, em
geral, é que há uma tendência em abordar a pacificação ou a não violência como
algo que possa ser alcançado de um modo quase que espontâneo, como se o usar
uma camisa branca ou portar uma flor fossem suficientes, ou que apaziguassem a
consciência de um dever cumprido para aqueles que saem às ruas (não que não seja
importante esse tipo de mobilização, mas o que se denuncia aqui é a ingênua
ideia de que isso bastaria).
Independentemente da dimensão da violência escolar, seja física ou
simbólica, e de suas variações, “NA, DA e CONTRA”, os fenômenos das violências
no contexto escolar demandam uma permanente discussão, no sentido de deixar em
evidência este assunto e provocar respostas e consubstanciar ações que sejam
mais efetivas. A pior violência, nesse sentido, é quando esta passa a ser vista
como algo natural e quando não causa mais indignação nas pessoas. O debate (e
as ações) sobre os fenômenos das violências, longe de ser algo mórbido, não
deveria jamais sair de cena, pois esses fenômenos indicam muito de como vivemos
e o que necessitamos.
Nota: *Infelizmente, no período de escrita deste texto as comunidades de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) foram assoladas pela trágica notícia do assassinato da menina Beatriz, de sete anos de idade, que foi brutalmente esfaqueada no interior do Colégio Nossa Senhora de Auxiliadora. As razões da barbaridade são ainda desconhecidas.
Referências
ARAUJO, Carla. A violência desce para a escola. Suas
manifestações no ambiente escolar e a construção da identidade dos jovens.
Belo Horizonte : Autêntica, 2002.
COLOMBIER,
C., MANGEL, G. e PERDRIAULT, M. A
violência na escola. São Paulo : Summus, 1989.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação : cartas pedagógicas
e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e
outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2007.
PATTO, M. H. S. (2000). A produção do fracasso escolar. Histórias
de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo
RIBEIRO, Carla V. e RIBEIRO, Marcelo S. de
S. Interface. Saúde e comunicação. Saúde
e Prevenção nas Escolas (SPE): elementos para avaliação de projetos sociais em
Juazeiro – Bahia, Interface
(Botucatu. Online). p. 00-00, 2015.
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