O homem, a angústia e o fazer psicológico

Por Silvia Guimarães

Sob a perspectiva do existencialismo, o homem não pode ser concebido como algo inanimado, tal qual um objeto (uma árvore, uma cadeira, uma mesa, etc.), mas, sim, como alguém que tem autonomia e independência e que não pode ser determinado, pois é indefinido.
Nessa condição, o homem, diferentemente de todos os outros objetos e seres vivos, é o único que existe antes de ser, ou seja, o homem não ocupa apenas um lugar no mundo, no sentido físico, mas é alguém que, diante da necessidade de se colocar no mundo, precisa existir. Assim, para que sua relação dialógica com o mundo aconteça, ele precisa existir, desenvolver-se, colocar-se no mundo e, então, ir se constituindo.
Nesse processo de construção de si mesmo, o homem vai modelando sua existência e se constitui como ser-no-mundo. Ora, o processo de pertencimento no mundo não se dá de forma fácil. Nessa sua relação com o mundo, ele sempre estará travando uma “batalha” consigo mesmo, pois se vê diante de preocupações, de desejos e interesses que atravessarão essa dinâmica e isso o fará entrar em contato com situações que gerarão solidão, infelicidade, tédio, tristeza, etc., que podem levá-lo a um estado de angústia.
Essa angústia é gerada, principalmente, pelo fato de que, diante dessas situações, ele terá que se posicionar frente a esses desafios, denunciando, dessa forma, os princípios e valores que o constituem. Além disso, como sujeito-no-mundo, constituído, essencialmente, de liberdade, ele percebe que é responsável, solitariamente, por todas as suas ações e que estas se darão a partir de suas subjetividades.
Ao se ver diante do imperativo que a liberdade lhe impõe – escolher-, ele percebe que essa liberdade passa a ser um fardo, já que escolher entre isso ou aquilo – ou até mesmo não escolher- trará consequências para si e, também, para o outro e, nesse sentido, ele se desespera diante da possibilidade de fazer uma escolha errada.
Essa condição de ser Dasein, deve levar em conta a impessoalidade que pode ser gerada a partir dessa necessidade de escolher. Assim, como forma de não assumir sua responsabilidade, o indivíduo pode se “diluir” na coletividade, já que a massa não pode ser responsabilizada por nada nem ninguém. Aqui, o indivíduo encontra sua justificativa para se abster diante das demandas do mundo.
Como ser-no-mundo, entretanto, construindo-se para se estabelecer como um ser-aí, ele tem que perceber que essa marca de impessoalidade o tornará um indivíduo que rejeita seu próprio eu em detrimento do coletivo, deixando, assim, de possuir convicções pessoais. Nessa perspectiva, esse indivíduo vai se constituir de forma fragmentada, onde a indiferença e a banalização ganharão destaque em seu cotidiano.
Sendo ente que se constrói em relação com o outro através da consciência e sendo esta que será seu traço distintivo em relação ao não-homem, o indivíduo vai se perceber como um ser carregado de limitações, fragilidades e incompletudes, ou seja, um indivíduo que é construído no “desamparo” e, neste sentido, é que aparece de forma contingente a necessidade de um apoio através de uma prática psicológica que priorize um fazer psicológico calcado na condição do homem enquanto ser existencial. Assim, essa prática deve estar voltada para o entendimento do sofrimento existencial pelo qual esse indivíduo passa ao se colocar no mundo.
Esse fazer psicológico deve ser observado no sentido de compreender a angústia desse homem e levá-lo, através de um processo reflexivo, a perceber que essa sua angústia existencial pode se configurar como algo positivo e que, a partir dela, ele poderá se reconhecer e se constituir como um sujeito que não está posto no mundo de maneira passiva.

Cabe a esse fazer psicológico levar o indivíduo a se perceber como um EU distinto dos outros, que traz uma marca pessoal na sua personalidade e que esta não pode ser subtraída nem anulada por outrem. Ele deve perceber, através de uma prática psicológica “ cuidadora”, que pode, através de suas singularidades e subjetividades, interpretar o mundo e a sua realidade e, a partir disso, construir uma vida plena de potencialidades e possibilidades.

Comentários