Introdução à Pesquisa Fenomenológica em Psicologia: Edmund Husserl e os passos iniciais.

Erika Hofling Epiphanio

Este texto está sendo produzido como parte do material a ser utilizado no I Ciclo de Debates sobre Pesquisa e Fenomenologia. Evento promovido pelo NEPFEE, NUPIE e LETRANS, realizado na UNIVASF de julho a outubro de 2017.
O primeiro encontro do Ciclo tem como temática a Introdução à Pesquisa fenomenológica e para a construção deste texto apresentaremos brevemente algumas concepções necessárias para a compreensão deste caminho investigativo, que é tão peculiar e significativo para aspectos humanos.
Para se introduzir a Fenomenologia como Pesquisa temos que apresentar Edmund Husserl (1859-1938), matemático Alemão que no final do século XIX até a primeira metade do século XX, foi o responsável por tornar a Fenomenologia reconhecida como ciência, sendo que esta dedicação do autor possibilitou que então se estudasse os fenômenos humanos de um outro ponto de vista, reconhecendo a subjetividade humana como também possível de ser investigada, por caminhos de possível acesso a esta.


Husserl, foi influenciado por Franz Brentano que foi um pensador importante na construção do conhecimento da Psicologia em um momento histórico em que se estudava aspectos humanos (ciências Humanas) da mesma forma que se investigava aspectos físicos (ciências naturais), não evidenciando a realidade própria, inconstante, flexível e naturalmente humana. No início Husserl iniciou suas indagações refletindo sobre conceitos matemáticos, mas este movimento o levou a formar questionamentos filosóficos. Podemos, então, neste momento apresentar a ideia da Filosofia como fundamental na construção das ciências humanas, pois este olhar ao conhecimento sempre deu muita importância ao ser humano e a busca do sentido do que é humano.
Com a influência de Brentano, Husserl abre-se a compreensão da percepção, indicando que o que percebemos nos faz sentir (sensações) como o mundo é percebido por nós. Então, o que percebemos, damos conta deste “algo” e isto se torna consciente, sendo a consciência a dimensão com a qual nós registramos os atos e acontecimentos.
É importante destacar neste momento outro aspecto conceitual que mostrou ser de grande relevância para a construção da Fenomenologia, que se trata da intencionalidade.  A consciência é considerada uma análise intencional, na medida em que a consciência é sempre uma apreensão de sentido no que se mostra ao vivente, indicando um ato reflexivo, sendo que a capacidade reflexiva é unicamente humana, apenas o Homem tem a capacidade de se dar conta do que está fazendo.
Husserl partia do princípio que sem evidência não há ciência e a partir de tal pressuposto o autor debruça-se a encontrar um caminho (que em grego é méthodo) para buscar as evidências da subjetividade ao perseguir o desvelar das coisas e dos fenômenos. Então, a Fenomenologia seria o estudo do Fenômeno, ou seja, daquilo que se mostra e a principal preocupação do autor foi de trazer a Filosofia (pensando como o ato reflexivo sobre o ser humano) para o status de ciência. Como diz Zilles (2007, p. 219) “por isso a filosofia fenomenológica é, em todos os sentidos, a única ciência absolutamente rigorosa, pois fornece a si própria os seus fundamentos e os de todas as outras ciências”.
Então com Husserl nasce a primeira perspectiva de pesquisa fenomenológica, que indica um método específico para se chegar a essência do fenômeno, que influenciou, posteriormente as outras possibilidades de investigação fenomenológica.
A pesquisa é um processo que busca o conhecimento sendo que para Bicudo e Kluber (2013) o processo de produção de conhecimento, inicia-se no ato da busca à estrutura do que será buscado, um processo de lançamento ao desconhecido por meio de uma atitude pré-compreensiva dos pesquisadores, sendo este um movimento de abertura às possibilidades e não ao engessamento ao conhecimento posto previamente.  Logo, uma investigação fenomenológica indica uma atitude investigativa que permite que a coisa mesma se revele, oferecendo uma compreensão do fenômeno estudado.
Como aponta Amatuzzi (2001) o que Husserl se propunha não era uma verificação de algo, mas uma construção de uma compreensão de algo, sendo esta a postura de todo o movimento fenomenológico. Holanda coloca “é justamente esta apreensão da realidade, a partir do sentido desta para uma subjetividade intencional que a pesquisa fenomenológica busca acessar, ou seja, alcançar o significado da realidade e do mundo para um sujeito que é encarado como autor e protagonista da sua própria vivência” (Holanda, 2001, p. 38).
E agora então vamos ao método, ou melhor, ao caminho descrito por Husserl para se chegar à essência do fenômeno, ou para se buscar o sentido. Primeiramente o autor afirma ser necessário que o investigador saia da atitude natural e se coloque na postura de uma atitude fenomenológica, que se trata de um ato de entrega daquele que investiga para o mundo e a experiência do que se é investigado, sendo este um movimento intersubjetivo que diz sobre a relação sujeito-sujeito, indicando uma nova postura do cientista diante do conhecimento em que compreende o mundo na perspectiva do sujeito.
A primeira etapa que explica o método fenomenológico de Husserl é a Redução Eidética momento em que o pesquisador ao sair da atitude natural, colocando suas perspectivas de mundo entre parênteses, não negando sua existência, mas a renunciando para acessar o que é vivenciado pelo prisma dos outros. “Sob esse aspecto, a redução conduz ao eu como subjetividade. Assim, pela redução fenomenológica, chega-se, de maneira reflexiva, ao conhecimento do eu como fonte original de toda a cer­teza e de todo o saber e ter do mundo” (Zilles, 2007, p.218).
A Redução Fenomenológica é um ato empático na busca da Essência do Fenômeno, seria uma postura dialógica entre o sujeito que investiga e o que é investigado. Só consigo verdadeiramente conhecer a essência da experiência do outro, ao me despir dos meus saberes, conhecimentos e de minhas hipóteses.
A segunda etapa descrita por Husserl trata-se da Redução Transcendental para explicar trazemos um trecho de Zilles (2007, p. 219)

 “O acesso metodológico à subjetividade transcenden­tal Husserl designa redução transcendental. Nesta, põe-se fundamentalmente entre parênteses a crença na exis­tência das coisas e na existência do mundo natural e de todos os domínios que lhe estão ligados, para alcançar o terreno firme da consciência pura em que o seu correlato, que é o mundo, se transforma em mero objeto intencional. É a redução ou operação pela qual a existência efetiva do mundo exterior é “colocada entre parênteses”, para que a investigação se ocupe apenas com as operações realiza­das pela consciência, sem perguntar se as coisas visadas por ela existem realmente ou não”.

Percebemos uma cerca dificuldade em distinguir estes passos, pois se trata de um movimento dinâmico e reflexivo em busca do conhecimento, em que se considera transcendental (por isso a fenomenologia de Husserl é conhecida como Fenomenologia Transcendental) a análise da constituição da subjetividade, que é intersubjetiva.
Forghieri (1996) propõe inclusive para se chegar a redução eidética dois momentos que seria o Envolvimento existencial, que seria o momento em que o pesquisador deve colocar fora de ação os conhecimentos prévios sobre a vivência a ser estudada. Sai da atitude intelectualizada, para penetrar na vivência de modo espontâneo e experimental e o distanciamento reflexivo em que após o envolvimento o pesquisador estabelece um distanciamento para refletir sobre sua compreensão, buscando captar o sentido, passos estes também dinâmicos e relacionais.
Então na tentativa de iniciar a conclusão deste texto vamos pensar especificamente na pesquisa fenomenológica em Psicologia. Para isto, acho interessante trazer uma citação de Holanda (2009, p. 89) que diz “conhecer, saber, não é simplesmente dizer algo a respeito de, mas é compreender, é co-aprender, é ter-junto, numa caminhada de descoberta, de “abertura”, sendo que a busca do conhecimento de dá pelo des-velar de sentidos no que se apresenta a uma consciência, como fenômeno (dotado de sentido) que se junta elementos do sujeito do ato e do mundo neste processo compreensivo/reflexivo.
Amatuzzi (2006), por exemplo, julga que "pesquisar a subjetividade enquanto tal não é simplesmente produzir conhecimentos sobre ela, mas aproximar-se experiencialmente dela para só depois produzir um discurso expressivo" (p. 96)
Na pesquisa fenomenológica há uma postura de interesse do pesquisador em captar o vivido pelo colaborador, sendo então necessário que o pesquisador abandone temporariamente as suas próprias experiências e expectativas para encontrar como o sujeito está sendo em um dado momento, no momento da investigação. Amatuzzi (2009) mostra o porquê o método fenomenológico passa a ser um caminho fértil para a Psicologia enquanto busca da compreensão do vivido, pois quando o psicólogo ouve o sujeito ele não se pergunta sobre a veracidade da fala, mas se conecta ao sentido deste dizer, sendo apontado pelo autor a atitude empática do pesquisador que capta o movimento intencional da experiência como um aspecto facilitador no processo de acesso ao fenômeno.

Indicações bibliográficas

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