Porque Sofremos?

Durante este semestre, como parte de atividades avaliativas da disciplina Psicologia Fenomenológica-Existencial II, foi solicitado aos alunos a construção de um texto reflexivo, tendo o vídeo de Viviane Mosé, como disparador. Foram ótimas as produções dos alunos.

Compartilho com nossos leitores dois destes textos que foram selecionados pela professora Erika, vamos lá:


O que é existir?
Por Tereza Raquel da Silva Santos

Parece um questionamento simples. Parece que sabemos a resposta, mas nos faltam
palavras para explicar de fato. Quando o filósofo alemão Martin Heidegger (2006) fala sobre Dasein, ele fala sobre a existência. O dasein é o ente que pode questionar a sua existência e a existência de todas as coisas do universo.
Desse modo, sendo o Dasein a existência em seu caráter cotidiano, na sua facticidade, ele é dotado de um corpo, um corpo que não é apenas um aglomerado de células, átomos, mas um corpo que simboliza essa existência.
É através do corpo, nos fala Merleau-Ponty (1999), que percebemos o mundo, que percebemos os outros, não apenas no sentido de interpretar, mas é o corpo que faz com que nos familiarizemos com o mundo, que nos faz pertencer intimamente a

esse lugar. O corpo é a casa do ser-no-mundo, é através dele que falamos,
agimos, que estabelecemos relações com os outros. Ele é tão ligado a existência
que não é possível dissociar os dois.
existência é plausível de muitas possibilidades, existem várias maneiras de

estarmos no mundo e realiza-la, somos livres para ser. Este é o pensamento de
Jean-Paul Sartre (1998) que também nos fala que é essa gama enorme de
possibilidades que nos angustia, nos fazendo sofrer. A liberdade de escolha é,
portanto, o que nos faz poderosos e temerosos.

Todavia, como pensa o filosofo Kierkegaard (1968), a angústia é o que nos possibilita
passar para um estágio mais avançado, por isso, é preciso abandonar a impessoalidade
e acolher as nossas falhas. Se esconder nessa impessoalidade é perder a
liberdade, é não tomar as rédeas da própria existência, porque quando a culpa é
de todo mundo ela não é de ninguém, então ninguém se redime, ninguém se corrige
e ninguém cresce. Ser ético é, afinal, afirmar os valores morais, ser
autêntico. Assim, a verdade é a consciência individual, a bussola que guia as
ações dos indivíduos.

“Viver é um kit completo”, diz a filosofa Viviane Mosé. Assim deve ser o olhar do
psicólogo existencial. Existir é um kit completo com tudo: corpo, angústia,
verdade, culpa e muito mais. Viver é tudo o que nós devemos querer. O mundo
hoje nos dá milhões de opções todos os dias, o homem está angustiado, solitário
e perdido. A psicologia vem, portanto, para resgatar esse homem da multidão,
mostrando que faz parte do kit da vida todas as coisas que nos destroem e que o
fazem com um proposito maior: construir. É preciso sair da impessoalidade e
tomar a direção da própria vida, pois somos seres responsáveis e ativos. Dessa
forma, o existencialismo nos dá esse olhar da vida que nunca deve ser
abandonado.

Referências

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo; tradução
de Márcia Sá Cavalcante Schuback; Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora
Universitária São Francisco, 2006.

MERLEAU-PONTY,
M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

GILES,
T. R. História do existencialismo e da fenomenologia. São Paulo: EPU, 1989.

KIERKEGAARD, S. O
conceito de angústia. São Paulo: Hemus, 1968.
SARTRE, J. P. ser e o nada – ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução: Paulo Perdigão. 6

ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.






 por Samara Oliveira Rocha


            Após a grande explosão de uso das
redes sociais, a sociedade se tornou uma vitrine de padrões para se alcançar.
Houve um aumento da cobrança de ser feliz e os indivíduos passaram a valorizar
a beleza acima do bem-estar e quantas curtidas será possível a partir dela e da
“felicidade”, além de, também colocar o falar em um lugar tão importante, que não
se faz necessário ter algo para dizer ou ter uma compreensão daquilo que se
diz. A razão disso, entre outras, é que o homem passou a vincular a sua
existência com a exposição dela. Basta ver que absurdo a frase “eu posto, logo
existo”, que circula nas redes sociais, é uma boa descrição do modo como os
indivíduos agem atualmente. Neste contexto, cabe a psicologia existencial a
responsabilidade de estimular uma reflexão nos indivíduos sobre as suas
existências, além de conceitos como existência, autenticidade, liberdade e
corporeidade.

            A psicologia existencial, mais
precisamente Merleau-Ponty, traz que a existência do ser, isto é, sua
liberdade, autenticidade e o ser em si mesmo, estão vinculados ao corpo. A
vivência do corpo é uma expressão do ser-no-mundo e ser-com-os-outros de cada
individuo, e essa vivência mostra sentidos primordiais da existência. Para
Merleau-Ponty, o homem só existe por meio do corpo, só que será por meio dele
que irá se adquirir as experiências perceptivas do mundo, dialogar com ele.
Isto é, ouvir, falar, dançar, enxergar, entre outros gestos bastantes
necessários, só serão possíveis com o corpo. Dessa forma, o corpo é visto, por
essa psicologia, como algo de muito valor. No entanto, atualmente, o homem vê o
corpo como um objeto útil, comercial, um aparato para sua serventia.
Principalmente por que os valores cultuados pela sociedade são beleza,
inteligência, entre outras características que denotam algo “positivo” do
homem. Há uma ideologia vigente que dita um padrão a ser seguido, o que torna a
prática de modificações corporais algo bem comum, já que a busca pela beleza é
colocada acima de tudo, principalmente do bem-estar. O individuo passou a se
construir como ser a partir do que é esperado dele, isto é, do que os outros
desejam que ele seja, acima de algo que ele é. Nesse sentido, a psicologia
pode, portanto, converter essa atual relação do ser com o seu corpo para algo
mais positivo, utilizando de uma reflexão para resgatar o valor essencial e o
sentido especial do corpo, ressaltando o cuidado e a aceitação das diferenças
deles.

            Ademais, junto com a beleza, também
se é cobrado pela sociedade ou pelo próprio individuo (que é uma forma indireta
de cobrança da sociedade), uma felicidade quase permanente. Nesses tempos,
vê-se que a sociedade não gosta de sofrer e, exemplo disso, é o aumento do uso
indiscriminado de medicamentos. Porém para a psicologia existencial, é
praticamente impossível viver, no sentido de existir, sem sofrer. Sartre traz,
em sua visão, que o homem só manifesta sua presença no mundo a partir das
escolhas, advindas da liberdade do homem, suscita nele o sentimento de
angustia, já que cabe a ele se tornar aquilo que deseja ser. Heidegger diz que
a liberdade, ainda que possa causar a autonomia de cada um, também faz com que
o individuo sofra, pois a responsabilidade de suas escolhas, boas ou ruins,
recaí sobre ele. Dessa forma, não é possível viver uma felicidade permanente,
pois a existência, vinculada com a capacidade de escolha, é algo mutável, com
estados emocionais inconstantes. Com isso, a psicologia pode utilizar esses
conceitos e debates para construir a ideia de que somente a própria pessoa pode
mudar aquilo que a incomoda, mostrando que cada um é um ser autônomo, dono da
própria vida, e apresentar, também, a impossibilidade de uma felicidade
permanente que é pregada na sociedade.

            Kierkegaard também fala sobre a
angustia ligada a liberdade de escolha. Porém, esta angustia está relacionada
aos conceitos de culpa e pecado, já que o medo de errar faz parte do processo
de escolha. Portanto disso, ele elabora o conceito de impessoalidade, que é a
noção construída pelo homem para se tirar dele a responsabilidade de qualquer
ato, por meio da generalização, já que todos erram, logo não há culpa
individual. Esta impessoalidade é vista como uma maneira de refrear a angustia
do homem. E em seu âmbito linguístico, é caracterizada pelo falar por falar,
sem ter nada a dizer ou uma compreensão do que diz, isto é, apenas reprodução.
Nos tempos atuais, isso é uma prática bem comum, visto que há uma obrigação em
falar, opinar e expor aquilo que não se tem ou o que não se compreende. As
redes sociais fortalecem essa prática.

            Para Heidegger, a existência do
homem está ligada ao fato dele questionar-se sobre essa existência. Ele elabora
o conceito de Dasein, que trata-se de um ser que tem como essência existir, que
está em permanente construção e é, também, um modo de ser-no-mundo. Portanto
para a atualidade, vê-se que não há um questionamento por parte dos indivíduos
sobre si mesmo. Não há uma verdadeira reflexão dele enquanto ser. Seja por
indiferença ou falta de tempo, o home não pode parar para pensar sobre si mesmo
enquanto Dasein e as variadas maneiras de se relacionar com outros e com o
mundo. Sempre é algo imediato, sem uma reflexão, ainda que posterior. Neste
sentido, cabe à psicologia existencial estimular essa reflexão nele enquanto
ser. Fazer com que ele questione a sua existência. Para, assim, poder assumir
sua existência por completo, junto com sua liberdade e subjetividade.

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