Os Homens Existem, os cães São!


Por Erika Hofling Epiphanio


O texto de hoje traz uma breve reflexão para ajudar na compreensão da “máxima existencialista” que diz que: A EXISTÊNCIA PRECEDE A ESSÊNCIA.
Os filósofos existencialistas possuem grande importância na construção do conhecimento sobre o Homem, pois a partir destes deu-se luz a uma compreensão da subjetividade humana.  Concebe-se o Homem como ser único, que vem ao mundo totalmente inacabado e tem ao longo de sua existência a capacidade de fazer escolhas, baseadas em sua consciência, logo é o próprio movimento humano que vai produzir a essência de cada um.  Por outro lado, os existencialistas afirmam que as coisas e os animais, não existem, eles apenas são, pois possuem sua essência concretizada no seu nascimento.
E eu como uma amante de cachorros, com grande laço afetivo com meus cães, desenvolvi uma certa bronca com os “caras” (Heidegger, Sartre, etc), que dizem que os cães não existem. Sempre que vou lecionar sobre o assunto digo que esta teoria foi pensada por quem não conheceu Juju e Babi, minhas cadelas amadas, que sempre tive certeza que elas EXISTEM.


Indo mais além desta compreensão, vamos identificando aspectos que trazem  certo sentido para se pensar que os cães não existem, ao ser atribuído aspectos referente à condição existencial, tais como:  o questionamento;  a consciência;  a capacidade de atribuir sentido às coisas e aos acontecimentos... a capacidade de realizar escolhas, que em geral, vem acompanhada da angustia em decorrência da responsabilidade por elas.
Hummm..... será que os cães possuem estas capacidades?
Bom, melhor que os livros dificílimos dos filósofos para nos ensinar, temos a vida. Nossa própria existência!
Em dezembro do ano passado minha cachorra de 18 anos sofreu um acidente grave. Uma cachorra idosa, cardíaca, cega, que possui um tumor hepático identificado há mais de dois anos, quando recebeu o prognóstico de 2 meses de vida e já se passaram  24 meses desta sentença. Após o acidente, este serzinho ainda deixou de andar.
Caramba, muitos devem estar questionando, como ainda vive? E aí o existencialismo me ajuda a compreender, pois simplesmente ela não questiona....”Nossa, por que eu? Por que isso me aconteceu?”  Etc, os cães respondem aos estímulos, aos acontecimentos, aos encontros e não questionam. Respondem de forma positiva, ou negativa de acordo com a natureza dos estímulos. Simples assim!

Esta cachorrinha por ser tão amada por duas existências (eu e Juliano) que buscamos  por nossos questionamentos e amor todas as condições para  manter sua vida o mais confortável possível, pois ela agora é totalmente dependente. Mas ela nem percebe isso,  ela não sabe o que é ser deficiente, ela não questiona suas limitações, simplesmente se adaptou a nova condição e vive!
E vive muito bem, pois nunca foi tão mimada e assistida rapidamente em suas necessidades e como disse antes, o cão responde aos estímulos e ela recebe uma quantidade imensa de estímulos positivos.
Hoje eu faço as pazes com os  “caras”, pois compreendo, que sim minhas cachorras existem,  mas existem para mim. Quem dá o sentido ao sua existência somos nós e se ela continua lutando pela vida é por que  ela encontra-se repleta de bons estímulos, que faço questão de garantir, pois na minha condição humana, me faz bem cuidar, amar, me relacionar, logo existir!
Depois que já tinha terminado a escrita deste texto, me deparei com um questionamento (olha nossa existência se manifestando): “mas pera aí, os cães também escolhem, então este não é um ‘argumento’ existencial como usei anteriormente”. E então no que nos torna diferentes: os cães escolhem baseados na natureza dos estímulos. Por exemplo: um cão de rua, se ficar em uma rua que tem 2 casas, sendo que em uma das casas jogam pedra nele e na outra lhe oferece alimento, todo nós sabemos qual a escolha do cão.
Nós humanos, considerados superiores, pela nossa condição existencial, nem sempre escolhemos o melhor estímulo, pois para decidirmos algo, inserimos tantos elementos que a evolução cognitiva nos deixa mais vulnerável ao erro.
Outro ponto interessante para esta discussão são os aspectos existencialistas :  temporalidade, espacialidade e corporeidade.
Nós, Homens, seres que existem nos conduzimos, nos baseamos por estas noções, e os animais?  Estes não possuem tais percepções, logo acabam tendo vivências mais plenas. Vou me explicar.
A temporalidade, por exemplo, os cães até´possuem memórias, mas não possuem a noção de passado e futuro, apenas vivem o presente. E, nós, seres ‘evoluídos’ adoecemos na temporalidade, tanto que temos grande esforço nos processo psicoterapêuticos (pensando nas psicoterapias com base na fenomenologia) para focar o cliente no aqui e agora, grande dificuldade do homem moderno que vive a ansiedade do futuro, ou sofre no lamentar do passado.
Darei mais um exemplo que surgiu em  uma conversa com uma das veterinárias da Babi, sobre corporeidade. Certo dia, na clinica que Babi faz acupuntura (sim ela faz acupuntura, como disse é muito bem cuidada), tinha um cão que havia arrancado seus olhos, pois sentia dor. Então, os cães se resolvem assim,  ao sentir dor eles querem se livrar do estimulo da dor e não tem menor importância para eles ficar sem olho, sem patas, sem se locomover, o que importa é não sentir dor e dane-se a estética.
Eles não têm noção da deficiência, da limitação! Acho isso tão lindo!
E, mais uma vez, os homens com sua superioridade humana sente dor desnecessária muitas vezes só para ficar mais bonito.


Eita que nós humanos temos muito a aprender com os animais, com a natureza, que tem o instinto de se preservar e não de se autodestruir, destruir nosso próprio mundo (ambiente), apenas pelo poder, pela ganância, espécies de vaidades!

Bibliografia recomendada:

HEIDEGGER, M. O ser o tempo, parte I. Vozes. 2015

HEIDEGGER, M. Todos nós ninguém. Ed. Moraes. 1981

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