Relacionamento humano e redes sociais: uma história



Mês passado, para a avaliação da minha disciplina de Psicologia Fenomenológica-existencial I, que ministro para o 2º período de Psicologia na UNIVASF, solicitei aos alunos que redigissem um texto fazendo link com o conteúdo estudado e ofereci alguns temas. O tema Relacionamento humano e redes sociais, foi o escolhido pela aluna Jaqueline Souza de Oliveira, que escreveu uma história criativa, sensível e contextualizada com o contexto social que estamos inseridos. Foi um dos textos escolhidos para ser publicados aqui no blog.


por JAQUELINE SOUSA DE OLIVEIRA

 Ana tinha 14 anos e vivia numa fazenda no sertão nordestino onde tinha contato com várias plantas e vários bichos, o seu lugar preferido era embaixo de um umbuzeiro vendo o sol se pôr. A menina estava saindo do Ensino Fundamental e indo para o Ensino Médio, quando ganhou do seus avós o seu primeiro celular, eles tinham o intuito de ajudá-la a ter mais recursos para estudar. Ana aprendeu a fotografar e passou a registrar tudo aquilo que havia a sua volta, o que não poderia faltar, claro, era aquele céu avermelhado de todo fim de tarde. Faltavam 15 dias para começar o seu primeiro ano e ela estava ansiosa pois conheceria novas pessoas, já que havia estudado sempre em uma mesma escola próxima de sua casa.
 [15 DIAS DEPOIS...] Ana acordou e os bichos estavam cantando lá fora, era um dia feliz, seu primeiro dia de aula. A menina pegou sua amada sandália de couro e foi subir no ônibus que passava em frente a cancela de sua casa; 43 minutos depois, estava lá no Colégio Santa Luzia. Com uma mistura de tensão e euforia, sentou-se, passou algum tempo e saiu para o recreio. No recreio, viu um grupo que já parecia bastante entrosado, estavam fazendo fotos.
"Hum... Fotos! Vou pra lá!", pensou Ana.
Ficou próxima do grupo, mas não disse nada. Ouviu uma menina avisar que iria postar as fotos no Instagram, o que deixou Ana curiosa sobre do que se tratava aquilo. Ainda naquela manhã, Aninha fez sua primeira amizade com uma outra menina que parecia conhecer muito bem aquele mundo novo.
"Ei, o que é esse Instagram que as pessoas postam fotos aqui?", perguntou Ana.
"É uma rede social onde se publica fotos, vídeos e até dá pra conversar", respondeu a moça.
Ana ainda interessada, pediu que a amiga lhe contasse mais no dia seguinte, assim a menina fez.
 Ana agora já tinha Instagram e lá publicava todas aquelas fotos que tirava ao redor da sua casa, começou a seguir alguns fotógrafos que apareciam no seu feed explorar - achou estranho aquele número enorme de fotografias de mulheres extremamente produzidas, magras e altas, mas continuou seguindo. Seguiu também algumas garotas do seu colégio que também postavam fotos bem produzidas, não foi seguida de volta por elas, mas aquela amiga que havia feito no primeiro dia a seguiu. Certo dia essa amiga comentou que achava suas fotos lindas, Ana ficou muito feliz e agradeceu, mas, ao passar pelo corredor, ouviu:
"Olha a que só posta foto de roça", a frase foi seguida de risos.
Ana não entendeu muito bem, mas, ao ouvir outras vezes coisas parecidas, passou a sentir-se estranha e já não queria mais fazer as fotos que fazia, nem usar a sua amada sandália de couro. Sua amiga percebendo a mudança repentina, decidiu ouvir sobre toda aquela mudança. Depois, decidiu contar-lhe sua história.
 Ela se chamava Carol, tinha 19 anos e quando pequena via diversas fotos que a sua mãe guardava, era uma fã de Sebastião Salgado que havia sonhado em ser fotógrafa mas que desistiu após insistência do seu pai de que aquilo não daria em nada e que ela deveria ser uma advogada, assim ela fez. Carol sonhou como a mãe e, assim como ela, também ouviu de muitos que não daria em nada. Carol repetiu alguns anos na escola e depois os "não vai dar em nada" só pioraram. Assim como Carol havia feito, Ana também a ouviu prontamente e voltou para casa pensando naquilo. Teve uma ideia:
"Carol, quer fotografar comigo no terreiro de casa?", perguntou Ana no dia seguinte.
Carol foi e elas fotografaram aquele mundo que parecia ainda mais gigante, cheio de pássaros, árvores e aquele sol se pondo que parecia o mais lindo do mundo.  Elas revelaram as fotografias e colaram nos postes da cidade, aquela cena de fotos reveladas viralizou na internet e as meninas foram chamadas para uma exposição numa galeria da cidade vizinha. Foi incrível, eu me senti em outro mundo, mas... Quem sou eu? Eu sou o avô da Carol, a ouvi empolgada falando para sua mãe sobre a exposição, resolvi ir e foi como se estivesse vendo o mundo pelos olhos daquelas mulheres, entendi e vivi aquele momento da forma mais despida possível.

 Hoje, anos depois, uma palestra do Amatuzzi me fez refletir e querer escrever essa história. Em um momento ele disse assim:
"A vida, se vivida em plenitude, será um processo pessoal. Mas as vezes é preciso uma ajuda para desemperrar esse processo. E isso será, mais, uma questão de desaprender os modos que se tornaram bloqueadores, para que a vida possa se manifestar novamente".
Eu aprendi que vencer na vida é ser um médico, advogado ou engenheiro, mas, no dia em que eu me deixei ver o mundo como aqueles olhos brilhando de euforia viam, eu entendi que vencer na vida é ser, simplesmente ser como se é.


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