Andanças de um estudante de medicina pela Educação


Por Pedro Cadidé de Souza,

Estudando do 5º período de medicina da Univasf



Me chamo Pedro Cadidé, sou estudante de Medicina e, neste relato, descreverei algumas percepções sobre a minha experiência enquanto voluntario do Projeto de extensão "Com-versando", realizado no Colégio/Escola Paulo Freire, no bairro São Gonçalo, periferia de Petrolina-PE.

A princípio, estava buscando um projeto de extensão que me possibilitasse um contato maior com a comunidade externa fora do ambiente acadêmico. Vi no Projeto Com-versando uma ótima oportunidade para vivenciar isso, já gosto de trabalhar com jovens e crianças, e no ambiente escolar do projeto, a faixa etária é de 10 aos 15 anos. Ao iniciar as atividades, fiquei surpreso com a quantidade de aprendizado que poderia desenvolver na escola, inclusive na minha futura área de atuação, a medicina.
Minhas primeiras experiências na escola me possibilitaram entender em que ambiente eu realmente estava no projeto. A primeira delas foi a "Roda de Reflexão", uma das ações do projeto que eu já tinha conhecimento, mas que ao participar vi a potência que aquele espaço tinha para o fortalecimento das demais ações. Trata-se de um ambiente pensado para acolher e, por isso, de muita sensibilidade, mas também de muito fortalecimento. Meu primeiro pensamento foi “o que eu estou fazendo aqui?”. Eu não sabia lidar com aqueles relatos. Eram muitas histórias e vivências de crianças e adolescentes sendo compartilhadas e, pelo meu papel de mediador do momento, eu supostamente precisava conduzir da melhor forma. Isso me fez refleti o quanto a vida daquelas crianças, e todas aquelas questões, ali colocadas, tinham influencia direta na educação que estavam tendo. Estudar não é só chegar no horário, abrir o livro e ler, vai muito além disso, principalmente para aqueles estudantes.
A partir dos diversos relatos compartilhados, tanto de alunos, quanto de professores e demais membros do grupo escolar, além de uma observação do comportamento daqueles alunos, pude perceber o quanto eles estão doentes.  Foi assustador ver aquelas crianças e adolescentes tendo que lidar com problemas delicados de forma tão precoce. Depressão, ansiedade, abandono familiar, trabalho e muitos outros problemas que as afastaram de suas verdadeiras obrigações e deveres na escola: estudar e brincar. Ouso dizer que é como se fosse um surto viral em que todos e todas estavam indiretamente ligados.
Percebo como estudante de medicina, é que a formação que recebo em sala de aula não me prepara para lidar com estas questões. É possível contar nos dedos quantas vezes, em dois anos e meio de faculdade, participei de debates realizados na sala de aula sobre saúde mental. Muito se fala sobre a fisiopatologia da hipertensão, sobre o mecanismo de ação de um anti-inflamatório, que são bastante importantes também, mas pouco, sobre saúde mental, algo que está presente na vida da maioria das pessoas, e no caso do projeto, especialmente na vida das crianças.

Além dessa noção patológica que a experiência na escola me proporcionou, aprendi sobre relacionamentos e formas de socialização. Pessoalmente, sou uma pessoa difícil de interagir com outras, e isso, durante o projeto me bloqueou algumas vezes. Vestir uma blusa de um projeto tão bem visto na escola me colocou em diversos momentos em que eu precisei me abrir, dialogar com as pessoas. Foram muitas situações que para mim foram desconfortáveis, mas consegui, aos poucos, vencê-las, já que eram essenciais para a manutenção do projeto.
Em outro momento do projeto, vivenciei outra experiência incrível, a de trabalhar com jovens e adultos do AEJA. Passei um semestre sendo voluntário nos turnos da manhã e tarde, e depois, devido à questão de horários do meu curso na faculdade, tive que participar a noite, turno de funcionamento do AEJA. No início, confesso que achei um tanto desconfortável a ideia de lidar com os questionamentos de adultos, a começar pela primeira roda de reflexão, que foi bastante desafiadora. Era pessoas com idades entre 15 e 60+ anos com situações diferentes e, em alguns casos, mais conflituosas que as que eu já estava acompanhando anteriormente. O maior desafio de todos foi mediar conflitos com pessoas de idades tão distantes. Confesso que, em alguns momentos, fiquei desesperado (risos), e comentei com minha parceira de turno, Paulinha Barros, meus outros colegas e orientadora sobre esta dificuldade. Recebi ótimas orientações de como conduzir melhor tais conflitos, principalmente os familiares, que surgiam mais frequentemente. Nossa, foi um divisor de águas. A roda passou a fluir melhor e consegui transformar o que parecia ruim (pessoas de idades extremamente diferentes opinando sobre suas vidas e as dos outros) em algo positivo e proveitoso.
Portanto, posso dizer que com o Projeto Com-versando, pude perceber que a saúde, desde uma simples dor de dente que impede o aluno de assistir uma aula, até um caso depressão, pode ter sim uma grande influencia na educação do estudante. Além disso, pude melhorar a minha forma de estabelecer relacionamentos, o que inclui ouvir e falar em momentos adequados, ferramenta essa extremamente necessária para o exercício da medicina, principalmente para a área que mais me identifico no momento: Medicina da Família a Comunidade (<3).


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