Por Erika Hofling Epiphanio
Vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte
Vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte
O texto de hoje destina-se
a atletas, paratletas e treinadores brasileiros que estão, neste momento, com
suas rotinas de treinamentos totalmente comprometidas, devido ao isolamento
social recomendado como prevenção do coronavírus.
Foi-me
solicitado, por amigos treinadores, que eu gravasse vídeos para os atletas, mas
como não sou muito boa nesta forma de expressão, resolvi escrever, juntamente
com mais duas amigas e colegas de profissão, Thais Petroni Rocha e Roseana
Pacheco, uma série de matérias que tragam dicas e compreensões úteis para
potencializar suas perspectivas de enfrentamentos.
O tema da
primeira matéria é TREINAMENTO MENTAL.
Para isto,
entrevistamos 2 profissionais, psicólogos do esporte, que estudam com
profundidade como o cérebro pode ser “treinado” para alargar suas capacidades
cognitivo-afetivas, algo muito útil quando falamos em atletas de alta
performance, que necessitam de um maior equilíbrio físico-mental para que
atinjam o máximo de suas capacidades.
E vamos às
apresentações:
MAURÍCIO PINTO MARQUES
Doutor em Psicologia do Esporte
pela Universitat Autònoma de Barcelona;
Especialista em Psicologia do
esporte pelo CFP;
Graduado em Psicologia pela UFRGS,
onde também realizou seu pós-doutorado;
Trabalha há 17 anos com atletas
de alto rendimento em várias modalidades;
Professor universitário em disciplinas
de Psicologia do Esporte;
Realiza atendimento de atletas em
consultório.
Associado Abrapesp
Associado Abrapesp
Psicólogo com
especialização em Educação, Esporte e Neurociência;
Trabalha com
atletas há 16 anos
Desde 2014 pesquisa
sobre neurociência na área esportiva.
Tem um espaço
chamado CECOGNE
Faz parte do
grupo de pesquisa do INSTITUTO DO CÉREBRO DE PERNAMBUCO
Associado Abrapesp
Associado Abrapesp
E completa sua
apresentação dizendo que “pra não esquecer que também sou faixa-preta de
jiu-jitsu 3º grau praticando já há 24 anos”
Primeiramente
checamos com nossos colaboradores sobre o termo correto a ser adotado e ambos
concordam que a terminologia mais adequada e utilizada no meio científico é o
Treinamento Mental, ou como complementa Murilo Toledo Calafange: “treinamento
das habilidades psicológicas, que seria um conjunto de habilidades cognitivas
que ajudariam na realização ou melhora de performance em uma prática
esportiva”.
O uso de
treinamentos mentais tem sido utilizado no meio esportivo há bastante tempo para
desenvolver habilidades específicas, bem como controlar a mente para que esta
não venha a prejudicar o rendimento do atleta, ou ainda que seja
potencializadora da performance. Segundo Maurício Pinto Marques, “as mais
usadas e encontradas na literatura são: visualização, relaxamento, controle de
ativação e de motivação, estabelecimento de metas e auto-fala”. No entanto,
temos visto um grande avanço científico no desenvolvimento destas técnicas que
auxiliam o treinamento da mente como, por exemplo, o Mindfulness, que hoje tem sido bastante divulgada e refere-se a
treinamentos mentais que buscam um estado mental propício para o desenvolvimento
da atenção plena no aqui e agora, técnicas usadas pelo Maurício em sua prática
como psicólogo do esporte.
Já Murilo tem
estudado e trabalhado com protocolos desenvolvidos em estudos de neurociência, que
possibilitam mensurações importantes para o controle mental. Murilo nos relata
que tais estudos têm possibilitado grandes avanços na área, uma vez que
permitem compreender com mais precisão e fidedignidade o funcionamento da
mente de cada atleta para construir treinamentos específicos de acordo com a
necessidade e particularidades de cada um, algo também indicado por Maurício,
que deixa claro que, seja qual for o tipo de treinamento mental, não é uma
receita de bolo, pois é necessário ter conhecimento da pessoa, para construir
práticas uteis para ela.
Murilo fala de
algumas técnicas que têm mostrado evidências científicas comprovadas de melhora
na performance esportiva, como a Imagem Mental (mentalizar aspectos técnicos e
táticos e emoções positivas diante dos objetivos) e Construção de Metas (ponto
de partida, meio e fim na construção do caminho para se alcançar os objetivos),
sendo que para ele são as técnicas que mais contribuem para o controle
emocional principalmente em relação a ansiedade.
A ansiedade é um
dos aspectos psicológicos mais estudados na Psicologia do esporte, pois, por se
tratar de uma emoção que leva a uma ativação mental, possui impacto direto na
performance esportiva. Por isso, fala-se muito em nível de ativação que seja
eficiente para cada atleta e para cada modalidade esportiva, e para falar do
uso de treinamento mental para ansiedade, Murilo nos conta sua experiência:
“Quando chegava um grupo de atletas e descreviam para mim todos os sintomas
fisiológicos de uma crise de ansiedade pré-competitiva, algumas técnicas que
nós conhecíamos de relaxamento, por exemplo, em alguns atletas surtia efeito de
alívio e outros não, e mesmo assim se eu trocasse a técnica, também percebia
que não tinha tanta efetividade. O que me levava a pensar o quanto era esse
“nível” de ansiedade e como quantificar e mensurar a melhora desse quadro sem
depender apenas da fala do atleta. Essa fala é importantíssima, mas pode estar
comprometida justamente pelos fatores que podem estar desencadeando esta
ansiedade disfuncional. Então, na minha prática, eu consigo fazer um mapeamento
dos padrões elétricos cerebrais, ver se estes padrões estão disfuncionais e que
podem estar desencadeando o comportamento ansioso e aí sim tentar fechar uma
intervenção mais efetiva”. Ainda sobre a
ansiedade, Murilo nos chama a atenção que “na literatura já está evidenciado
que transtornos de ansiedade pode desencadear um processo depressivo. Então
fica o alerta neste cuidado, que todos que acompanham a carreira do atleta
devem prestar atenção”.
Algo bastante
interessante trazido pelos nossos entrevistados que, apesar de vermos muitas
publicações sobre o uso destas ferramentas para melhoria do rendimento
esportivo, ambos são categóricos ao afirmar que o treinamento mental não visa
apenas melhoria da performance, mas também benefícios para a qualidade de vida
do indivíduo, pois cuida da saúde mental. Maurício afirma que “não podemos
dissociar o rendimento da qualidade de vida, mesmo que haja momentos
específicos de grande solicitação do atleta que pode não ser considerado
saudável, mas o atleta com maior qualidade de vida, potencialmente esta mais
bem preparado para alcançar o máximo do rendimento”. No entanto, ambos apontam
que o uso destas técnicas e ferramentas exigem treinos, que não trata de nada
milagroso e sim de um trabalho construído individualmente, em que os atletas
vão conhecer melhor o funcionamento de sua mente para então desenvolver melhor
suas capacidades treinando-as.
E então, nossos entrevistados nos contam
sobre o uso destes recursos com os atletas durante a quarentena.
Maurício diz que
uma prática que tem sido bastante útil é a visualização, em que o atleta vai
replicar movimentos, gestos, estratégias mentalmente da sua rotina de treino e
competições, tendo uma imaginação ativa o que auxilia que se mantenha ativa
algumas conexões cerebrais, o que também é usado com atletas lesionados, quando
estão impedidos de treinar. Maurício também diz ser propício aprender técnicas
respiratórias e relaxamento para controle da ansiedade e o trabalho com Mindfulness, que pode ajudar o atleta a
focar no presente. Na entrevista com Maurício, ele nos alerta que para que este
uso seja efetivo, o atleta precisa estar treinado para isto.
Murilo diz estar
“utilizando as ferramentas e tecnologias de comunicação para fazer os acompanhamentos,
WhatsApp, Skype, Hangout. Estamos
enviando exercícios e monitorando os treinos de coerência cardíaca a distância.
Estou criando uma agenda de horários para que os atletas acessem lives no Instagram ou Youtube com
temas interessantes a eles. Estou indicando filmes e livros para depois
fazermos algumas reflexões, enfim o que se pode fazer diante desta nossa
realidade de isolamento social”.
É importante destacar que o que nos trouxe
Murilo e Maurício se alinha as recomendações do International Society of Sport Psychology (ISSP) sobre a atuação do
psicológico do esporte no caso da pandemia do Covid-19. O ISSP publicou um documento com recomendações
que pode ser acessado através do link:
Uma importante colocação
neste documento refere-se a propiciar ao atleta que reconheça seus sentimentos
e emoções e que não haja cobrança para estar o tempo todo bem, pois é
necessário que tenhamos acesso ao que sentimos em momentos de crise como o
atual momento, inclusive para aprendermos a lidar e enfrentar tais sentimentos
e emoções.
Perguntamos aos
nossos entrevistados sobre quem pode fazer uso dessas ferramentas e técnicas e
ambos trazem a necessidade de serem realizadas por profissionais devidamente
treinados para isto, pois um recurso, ou uma técnica quando aplicada de forma
incorreta pode trazer prejuízo ao atleta. Então pedi a eles indicações de
sites, redes sociais e plataformas científicas para que nossos leitores possam
consultar e buscar maior aprofundamento sobre o tema desta matéria o que estará
indicado no final deste texto.
Para finalizar, pedimos dicas para todos os atletas e paratletas
que estão lendo esta matéria e aí vai:
Murilo:
“Aproveitem
para exercitar também o cérebro. Leiam aquele livro que faz tempo que queria
ler, assista aquela série ou filme que queria ver faz tempo. Utilize as redes
sociais e a internet para falar com amigos e familiares que há tempos não
falava, divida o seu dia entre estas atividades e a rotina de treino em casa.
Procure cursos online gratuitos que possam lhe interessar. Enfim, ressignifique
o seu dia e sua rotina com a realidade que se apresenta. O importante é não
ficar parado, ocioso e esperando o tempo passar. Ocupe a sua mente com outras
atividades e lembre-se que este isolamento vai passar e devagarinho as coisas
voltarão ao seu normal. Aproveite este momento para “aprender”! Eu acredito que
muitas lições serão internalizadas e modificarão a nossa visão de mundo e de
sociedade”.
Maurício:
“Organize suas rotinas, mantendo as atividades centrais de
treino, alimentação e sono. E aproveite para investir em alguma atividade que
sempre tiver vontade de fazer e nunca teve tempo, mas invista em apenas uma
para não ser mais um gerador de cobranças e também faça alguma prática como,
por exemplo, de yoga para auxiliar no controle da ansiedade” (teremos uma
matéria sobre “Yoga”, logo mais estará acessível para nossos leitores).
E
ainda vamos colocar uma das dica do ISSP, que acredito complementar nossa
matéria:
“Concentrar-se
no que está sob controle. Muitas coisas estão fora de nosso controle agora, logo
devemos aprender a identificar o que está sob controle e se concentrar nisso.
Não podemos controlar o passado, futuro, a própria COVID ou a economia mundial.
Podemos, no entanto, controlar como agimos diante da crise”.
E então caros leitores,
principalmente atletas, paratletas e treinadores, cuidem daquilo que está ao seu
alcance. Busque informações que possam ser úteis para o desenvolvimento pessoal
e profissional, pois com atenção e cuidado, podemos ter a oportunidade de
aperfeiçoarmos habilidades psíquicas, afetivas e relacionais, que sempre serão
benéficas para nossas vidas!
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Indicações de leituras:
Sites:
- Para QEEG e o
Neurofeedback:
http://www.behavmedfoundation.org
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Bases de dados: ScienceResearch,
Pubmed, Scielo, Portal da Capes, Google Scholar, Science.gov, BDTD, ERIC e
Revista Brasileira de Psicologia do Esporte. Geralmente é só colocar as
palavras chaves de interesse (por exemplo: “mindfulnes”)
e buscar os artigos que mais interessam.
Surpreendente, ver que nao sou atleta, e muito menos de alto rendimento e como nos serve como referencial de bom senso, de conduta, de superação e aprendizado. Valeu! Serve para a vida!!
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