Por Erika Hofling Epiphanio
O tema da matéria de hoje é Transição de carreira no esporte.
Este tema é de grande relevância no contexto esportivo, uma
vez que a trajetória esportiva de um atleta do início da sua profissão até sua
aposentadoria perpassa por diversas fases, que constituem exigências,
compromissos e experiências diversas.
A Psicologia do Esporte, tem se dedicado a estudar e
compreender mais profundamente estas transições, para oferecer suporte
emocional adequado aos atletas a cada nova fase e desafios.
Para falar sobre o tema o NEPFEE convidou dois psicólogos do
esporte para falar sobre o tema e trazer considerações sobre o mesmo, pensando
no momento atual da pandemia.
Então vamos às apresentações:
Evandro Morais Peixoto
é psicólogo, formado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, com mestrado e
doutorado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Realizou estágio
doutoral na Université du Quebéc à Trois-Rivières Quebec-CA, e estágio
pós-doutoral na Universidade São Francisco
em Campinas, S.P.
Evandro na entrevista
realizada nos contou sua trajetória na Psicologia do Esporte: “Minha relação com psicologia do esporte se
iniciou antes do início da minha carreira acadêmica. Fui atleta de rendimento
de basquetebol, quando tive a oportunidade de participar de diferentes equipes
esportivas, desde as categorias de base, passando pelo esporte adulto e
posteriormente pelo esporte universitário. Durante essa carreira esportiva pude
vivenciar as expressões das influências psicológicas no rendimento esportivo,
nas relações interpessoais e mais especificamente a falta da psicologia do
esporte e do conhecimento desta área por parte dos profissionais que organizam
o esporte. Essas experiências, certamente, contribuíram para que eu me
inclinasse ao curso de psicologia, quando tive uma oportunidade de bolsa
estudos na universidade por conta do basquete. A partir de então, me apaixonei
pela pesquisa em psicologia e minha carreira como pesquisador se desenvolveu em
uma intersecção entre a avaliação psicológica e a psicologia do esporte.
Atualmente sou professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da
Universidade São Francisco USF em Campinas SP, onde realizo pesquisas sobre
avaliação psicológica em psicologia do esporte”.
Keila Sgobi de Barros, que é associada da Abrapesp (Associação
Brasileira de Psicologia do Esporte) se apresenta dizendo “sou um ‘ser em transição’. Academicamente,
tenho formação em Psicologia (Mackenzie, 2004), licenciatura em Educação Física
(Ceuclar, 2017), especialista em Psicologia do Esporte (Instituto Sedes
Sapientiae, 2008) e Mestre em Ciências (IP-USP, 2015). Minha atuação como
psicóloga do esporte se constituiu nas categorias de base de esporte
competitivo, tanto na clínica quanto em equipes esportivas, principalmente em
esportes coletivos (basquetebol e voleibol). Atualmente, sou educadora na
educação básica e em um programa socioeducativo de educação não formal”.
Para
inicio de conversa, pedimos aos nossos entrevistados para conceituarem de que
se trata a Transição de Carreira no esporte.
Então Keila começa considerando, que
antes de falarmos sobre a transição de carreira é necessário definir o termo
transição. Segundo Keila, “uma transição seria a transformação do
modo de uma pessoa se relacionar com o mundo. Esta transformação aconteceria em
decorrência de algum acontecimento previsto ou não, como é o caso do adiamento
dos Jogos Olímpicos de Tókio-2020”.
Tanto Keila como Evandro ressaltam que
ao falar sobre “transição de carreira” no esporte, as pessoas são
levadas a pensar no encerramento da carreira de atleta. Evandro, inclusive lembra que essa “ideia ficou
ainda mais popular com a frase do jogador de futebol Paulo Roberto Falcão,
quando disse ‘O jogador de futebol morre duas vezes. A primeira quando para de
jogar’, em que expressava as dificuldades psicológicas vivenciadas pelos
atletas quando deixavam a contexto esportivo”.
No entanto os nossos entrevistados esclarecem que ao se considerar
o contexto esportivo, há diversas transições de careira a serem compreendidas e
trabalhadas.
Keila então diz “acredito que seja
importante partirmos da ideia de transições na carreira, que seriam referentes
a qualquer mudança importante ocorrida na vida do(a) atleta e que, de alguma
maneira, venha a afetar sua carreira” e Evandro complementa “no contexto acadêmico o termo
transição é utilizado para descreve as diferentes fases que o atleta pode
atravessar ao longo de sua carreira esportiva, desde a iniciação até a aposentadoria.
Atualmente existem diferentes modelos teóricos que procuram descrever a
carreira esportiva e as diferentes transições no decorrer deste processo”
Evandro
então apresenta que “de maneira simplificada podemos
pensar algumas etapas importantes da carreira esportiva que nos ajudam a
entender as transições entre estes estágios: 1.
Início da especialização esportiva; 2. Transição para o treinamento intensivo
na modalidade escolhida; 3. Transição do esporte de massa/infantil para o
esporte de alto rendimento; 4. Transição da categoria juvenil para a categoria
adulta; 5. Transição do esporte amador para o esporte profissional; 6.
Transição do ápice para o término da carreira esportiva; 7. Término da carreira
esportiva”.
Keila referenciando Ĉaĉija (2007) indica que “a transição é
geralmente o resultado de um ou mais eventos percebidos pelo(a) atleta que
geram em nível social, esportivo e pessoal mudanças que estão além daquelas
vividas cotidianamente, inclusive afetando a concepção que o(a) atleta tem
sobre si mesmo(a). Deste modo, não haveria uma transição mais relevante, pois
cada atleta desenvolve ao longo de sua vida modos de enfrentar as diversas
situações que se apresentam e, uma transição que pode ser mais difícil para
um(a) atleta ou atletas de uma modalidade específica, pode não ser para
outro(a)”.
Evandro coloca ser “difícil apontar uma transição mais
relevante, porque isso vai depender dos recursos pessoais do praticante da
modalidade/atleta e dos recursos sociais e contextuais no momento da transição.
Podemos pensar nas dificuldades da transição de carreira, quando o atleta
termina a carreira esportiva e precisa se engajar em uma nova carreira
profissional. Isso normalmente acontece quando o atleta ainda é jovem para
aposentadoria, se pesarmos nos parâmetros da população geral, mas já conta com
certa idade e responsabilidades para iniciar uma nova profissão. Essa
dificuldade pode ser atenuada por uma preparação psicológica para chegada deste
momento, bem como por recursos sociais que tenha, permitindo desenvolvimento
educacional do atleta, como formação acadêmica, educação financeira e etc”.
E então
Evandro destaca a “transição da categoria juvenil para a categoria adulta como uma
das mais complexas e que imagino precisar de uma atenção especial da psicologia
do esporte.
Normalmente os atletas iniciam suas carreiras ainda na infância, para
permanecer na modalidade até a categoria juvenil (categorias sub 18, 19 ou 21,
a depender da modalidade esportiva) faz muitos investimentos, deixando muitas
vezes de estudar. Vale ressaltar que até então os atletas são protegidos pela
idade (categoria), e competem com pessoas da mesma idade.
Ao se transferir para categoria adulta
irá competir com atletas muito mais experientes. O que acontece é que não há
lugar para todos os atletas na categoria adulta (esporte profissional) e,
portanto, uma quantidade muito pequena de atletas continuam na modalidade.
Enquanto a GRANDE MAIORIA (a caixa alta é proposital aqui) deixará o esporte e,
portanto, vivenciará a transição de carreira. Penso que aqui temos duas
possíveis situações, a primeira dos atletas que deixarão a modalidade e precisa
pensar uma nova carreira profissional e, portanto, poderão se beneficiar dos
serviços da psicologia para este fim. A
segunda opção diz respeito aos atletas que apresentam potencial de seguir na
categoria adulta e também precisarão se adaptar às exigências desse novo
contexto. Por exemplo, um atleta
reconhecido nas categorias de base, que ocupava um lugar de destaque na equipe
se depara com a falta de oportunidades de entrar (tempo de jogo) nos jogos
adultos, nesse novo contexto ele ainda precisará conquistar o seu espaço.
Acredito que a psicologia também pode ajudá-lo nessa nova etapa da carreira”.
E então Keila fecha esta discussão afirmando que “O
importante no processo de transição para quem a vive não é a transição em si,
mas o impacto que ela tem em sua vida cotidiana, em seus relacionamentos, em
suas ideias sobre si e sobre o mundo, e em seus papéis. Assim, quanto mais a
transição afeta a vida do(a) atleta, mais recursos precisa desenvolver para
lidar com ela e mais tempo será necessário para a assimilação ou adaptação”.
Posteriormente
foi questionado a nossos entrevistados, no momento atual, em que calendários esportivos estão
suspensos devido à pandemia, qual seria o impacto em atletas que se encontram
em período de transição de carreira?
Para começar Keila nos responde que
“estamos vivendo um momento de parada, correria, suspensão, cobranças. E
ninguém sabe ao certo o que e como fazer ou se o que está sendo feito alcançará
seus objetivos. A suspensão dos treinos, o medo de não conseguir alcançar a
performance ideal, a mudança na rotina (pensando no tempo, espaços e relações
vividas), a perda de patrocínios e encerramentos de contrato solicitam a
mudança de perspectiva no modo de estar e viver no mundo. Atletas estão sendo
obrigados a lidar com o incerto, com o que está fora de controle, com a
necessidade mudar os planos sem poder definir metas a longo prazo. É uma situação
que aumenta a sensação de fragilidade e aprofunda o uso e abuso de drogas
(lícitas e ilícitas), sintomas de ansiedade, estresse e depressão”. Evandro, trazendo como exemplo a transição da categoria juvenil para a categoria adulta diz que “o impacto pode ser muito grande para sua
carreira e para sua vida. Pensemos o contexto do basquete masculino, em que
várias equipes adultas de expressão nacional e internacional têm desmontado
suas equipes, a ponto de dispensar os atletas por meio de uma carta.” (https://www.uol.com.br/esporte/colunas/olhar-olimpico/2020/04/16/sexto-do-nbb-pinheiros-demite-time-inteiro-de-basquete-por-carta.htm
e https://www.espn.com.br/basquete/artigo/_/id/6896020/bauru-e-pinheiros-encerram-atividades-e-o-nbb-busca-solucao-o-basquete-brasileiro-em-xeque-na-pandemia)
“No caso da pandemia, os atletas deixam de ter oportunidade de exposição
necessária para conseguir espaço numa equipe adulta na próxima temporada. Além
disso, ficam as perguntas: quantas
equipes existirão no próximo ano
para alocar esses “novos” atletas? Haverá espaços para eles, já que tantos
atletas experientes também perderão seus empregos e estarão sem contrato quando
a modalidade retornar as atividades?” questiona Evandro. E então, Evandro conclui “esse momento de tanta incerteza me parece
ainda mais difícil para alguém que já esperava por esse momento da carreira
como um momento de desequilíbrio e falta de controle”.
Para
finalizar nossa matéria, pedimos aos entrevistados para darem dicas e
considerações para atletas que estejam passando por esta transição de carreira
no momento atual.
Keila então nos
fala: “minha consideração seria não só a atletas, mas também a toda a sua rede
de apoio social. Todas as pessoas foram, de alguma forma, afetadas pela
pandemia (profissional, financeira, física, emocional, social, afetivamente).
Todas as pessoas do esporte estão envolvidas com uma meta. Em geral, ela está
no futuro. Precisamos aprender a redirecionar esta meta para alcançar o melhor
hoje, agora: o que sinto hoje e me incomoda? Como posso me sentir melhor? Qual
é a melhor maneira de organizar minha rotina hoje? E a estratégia utilizada um
dia, pode não ser útil. É preciso se
reinventar! E para isso, precisamos de momentos para silenciar. Silenciar as
cobranças e reavaliar a forma como vive, os objetivos a curto, médio e longo
prazo; as relações”.
Evandro diz “primeiramente
ressalto que a falta de certezas em relações ao momento que estamos vivendo é
muito difícil poder prever o que pode acontecer no esporte de forma geral,
especialmente se pensarmos as individualidades de cada modalidade esportiva.
Qual serão as modalidades capazes de se manter?
Nas grandes mídias só observamos o apelo para a volta do futebol, mas e
as outras modalidades? Parece que tenho muito mais perguntas do que respostas e
dicas. O que posso afirmar é
que os atletas que passam por esse momento podem enxergar na psicologia do
esporte um ponto de apoio para enfrentar essas dificuldades. Como citado anteriormente, esse ajuste
dependerá dos recursos pessoais, objetivos e expectativas dos atletas e dos
recursos sociais disponíveis a ele. O que torna cada situação bastante
individualizada”. Evandro também trouxe uma reportagem que saiu no programa
“Esporte Espetacular” do dia 31 de maio (https://globoplay.globo.com/v/8592827/)
sobre o aumento de sintomas de adoecimento psíquico entre os atletas neste período
de pandemia, destacando os atletas universitários dos EUA, em que precisam
desta visibilidade com os jogos para obterem oportunidades de
profissionalização. Sendo assim, sintomas de ansiedade e depressão tem sido
bastante comum, indicando a necessidade destes atletas procurarem ajuda
psicológica para estarem mais preparados para tais enfrentamentos.
Keila nos
conta que “o Governo do Estado de São Paulo está estruturando o retorno gradual às
atividades. No dia 1º de junho começaremos uma nova fase com a abertura de
alguns serviços. As academias e clubes devem retornar somente na 4ª fase, mas
algumas entidades esportivas já estão pensando no protocolo de retorno”. Mas Keila alerta que “este retorno
precisa ser cuidadoso, com respeito às diferentes formas de lidar que cada
pessoa desenvolveu durante o período de distanciamento e isolamento social.
Será preciso que cada um se reconheça dentro deste ‘novo antigo’ papel de
dirigente, profissional da equipe técnica, atleta. Viveremos meses em situações
limite de vários tipos e teremos de nos adaptar a uma série de restrições
físicas quando retornarmos. Retornaremos ‘fora de forma’ – uma metáfora que vai
além do fora da forma física adequada para o atleta de alto rendimento. Serão
meses fora da forma de determinada rotina de saída de onde reside até o centro
de treinamento, da rotina escolar, das rotinas regradas de alimentação, da rotina
de encontros com aqueles que amamos ou não”.
Outro ponto trazido por Evandro e que
merece destaque é sobre “a importância de
investimentos, por parte dos jovens atletas, em uma formação profissional
paralela. Algo que além da prática do esporte faça sentido para o atleta”. E
olha que esta é uma dica de atleta que se tornou profissional da psicologia e
um pesquisador de peso na área de Avaliação Psicológica. E por fim Evandro complementa que “mesmo que o esporte universitário se encontre afetado pela pandemia,
os jovens atletas podem pensar em oportunidades advindas do esporte para o
financiamento da formação acadêmica. Por fim, aponto que este é um momento de
muitas incertezas paras os profissionais de diferentes áreas, e o esporte,
assim como toda a sociedade, se encontra num período de grande dificuldade.
Isso que exige solidariedade entre as pessoas para o enfrentamento deste
momento ainda tão desconhecido.
A questão é que esses atletas não podem simplesmente perder o seu ultimo ano da
categoria de base, futuras adaptações serão necessárias para não prejudica-los”.
E para fechar nossa matéria trazemos uma colocação sensível da psicóloga Keila, algo que chega como um afago nos nossos corações “observe, cuide, sinta. O ano de treinamento não foi perdido,
os Jogos Olímpicos não foram perdidos. Ganhamos novas possibilidades de lida
com este mundo, com nossos afetos, com nossas relações, com o esporte que
praticamos. Precisamos olhar para o aqui-agora, nos reconhecer, reconhecer as
necessidades do outro e construir de forma cooperativa cada dia, cada rotina,
cada relação com afeto positivo, compromisso e solidariedade para que seja
saudável a todos e todas nós”.
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