Um café fenomenológico com Ana Vitória!

O post de hoje inaugura mais uma categoria de textos do nosso blog. 

A partir de hoje teremos uma aba especial com produções dos alunos da nossa coordenadora Erika Epiphanio, que sempre está estimulando seus alunos a produzirem textos reflexivos nas disciplinas de Psicologia Fenomenológica.

O texto de hoje foi uma produção para uma atividade chamada café-fenomenológico, em que os alunos do terceiro período do curso de Psicologia da UNIVASF deveriam apresentar uma produção artística e fazer uma reflexão com base na fenomenologia existencial. 





Fiquem agora com esta produção sensível.... 

 por Ana Vitória Gonçalves de Sousa. 

Quando me vi, eu vi o mundo inteiro

E percebi que partia de mim o cuidado pelas coisas todas

Houve o dia em que eu me confundi com a terra

Meus dedos, correntes ritmadas como o rio

Espelho agora era d’água

E toda curva do meu corpo, montanha

Eu, de tanto me fazer nascente, me entendi parte do todo

Pulso agora na cadência do outro

E compreendi que somos a mesma jornada

(Julia Pak)

https://www.instagram.com/tv/CH8xCEHnrWi/?utm_medium=share_sheet

Reflexão:

Quando vi esse vídeo pela primeira vez, ele me encantou muito no aspecto visual. Mas, quando a Julia terminou a fala, pairou sobre o ambiente e sobre mim um silêncio forte. Um silêncio desses que parece que nada vai fazer cessar. Um silêncio ensurdecedor. Era quase como se meus sentidos estivessem paralisados, desligados, fora de funcionamento. Foi uma sensação avassaladora de uma calmaria que assusta e afaga ao mesmo tempo. Quando finalmente retomei o controle, a sensação era de que eu havia estado distante de mim, dos outros, do mundo e daquilo que realmente faz sentido por um longo tempo. E aí percebi que esse tempo não havia sido esse período de silêncio que acabara de presenciar. Esse tempo de distanciamento, na verdade, havia sido quebrado por esse silêncio. Foi como se eu estive desconectada da vida por longos anos de uma existência não autentica e, ao assistir e ouvir a Julia, a parede que me separava de mim tivesse se quebrado e agora eu estava livre para ser nada mais nada menos que apenas eu em meu estado mais puro e cristalino.

Esse vídeo chegou a mim em 2020 e quando entrei em contato com a teoria de Merleau-Ponty, agora em 2022, pude construir muitas relações.

Julia traz a ligação dela com o mundo como fruto da ligação com ela mesma; Merleau-Ponty traz que o nosso corpo é a nossa forma mais pura de nos relacionarmos com o outro e com o nosso ambiente. É por meio do nosso corpo que aprendemos, nos relacionamos, temos consciência da vida e experienciamos ser-no-mundo, ser-com-outro, ser-para-outro e, principalmente, ser no cuidado com o outro e com o mundo. Essa dimensão do cuidado, que não aparece tão claramente nessa teoria inicial que vimos de Merleau-Ponty (sendo mais perceptível nos escritos de Heidegger), mas que para mim tem grande fundamentação dentro dos conceitos de Ponty, é o que a Julia traz quando diz que “deve partir de nós o cuidado pelas coisas todas”, um cuidado profundo que deve ir bem além da superficialidade de apenas perguntar se o outro está bem, ou de plantar uma árvore, ou não jogar lixo na rua. Um cuidado que se concretiza no ato de estarmos disponíveis e aptos a nos conectarmos verdadeiramente com a vivência do outro, aptos a estarmos presentes, disponíveis e interessados pelo outro e pelo que o outro tem a nos dizer sobre si, sobre sua passagem por esse mundo e sobre como ele significa aquilo que vive. Um cuidado com a natureza que desperte em nós a ideia que somos um só, que somos a partir do momento que estamos em sintonia com ela, que somos nela assim como ela é em nós. Um cuidado que nos faça aproveitar cada momento como único, que nos faça perceber que não temos nada além do aqui e do agora, que devemos ser honestos com nós mesmos e com os demais para vivermos de uma forma significativa e memorável. Um cuidado que nos una entorno da mesma jornada. E, principalmente, um cuidado que nos faça perceber que não é preciso diminuir a existência do outro para fazer a nossa ganhar importância, um cuidado que nos mostre que somos um conjunto, que somos conectados intrinsicamente como gente, que sem o outro, eu não me reconhecemos enquanto eu. Um cuidado genuíno e autentico que unifique, pacifique e ressignifique.

Por fim, trago o que escrevi logo após ter entrado em contato com esse vídeo/poesia pela primeira vez (tenho esse hábito de escrever sobre o que me mobiliza):

“Penso que não sou nada além do que a natureza quer que eu seja. Penso que sou um grão de poeira cósmica que mora no nada e habita no infinito. Penso que quando me for, voltarei para a borda da criação e olharei para aquela imensidão – tão vasta quando o vazio da existência – e sentirei que nada é em vão, apesar de tudo ser um grandessíssimo acaso. Penso que nada que penso faria sentido se meu eu de antes e de depois não se fizesse presente no agora”.  


Comentários

Postar um comentário