O post de hoje inaugura mais uma categoria de textos do nosso blog.
A partir de hoje teremos uma aba especial com produções dos alunos da nossa coordenadora Erika Epiphanio, que sempre está estimulando seus alunos a produzirem textos reflexivos nas disciplinas de Psicologia Fenomenológica.
O texto de hoje foi uma produção para uma atividade chamada café-fenomenológico, em que os alunos do terceiro período do curso de Psicologia da UNIVASF deveriam apresentar uma produção artística e fazer uma reflexão com base na fenomenologia existencial.
Fiquem agora com esta produção sensível....
por Ana Vitória Gonçalves de Sousa.
Quando
me vi, eu vi o mundo inteiro
E
percebi que partia de mim o cuidado pelas coisas todas
Houve
o dia em que eu me confundi com a terra
Meus
dedos, correntes ritmadas como o rio
Espelho
agora era d’água
E
toda curva do meu corpo, montanha
Eu,
de tanto me fazer nascente, me entendi parte do todo
Pulso
agora na cadência do outro
E
compreendi que somos a mesma jornada
(Julia
Pak)
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Reflexão:
Quando vi esse vídeo pela primeira vez, ele me
encantou muito no aspecto visual. Mas, quando a Julia terminou a fala, pairou
sobre o ambiente e sobre mim um silêncio forte. Um silêncio desses que parece
que nada vai fazer cessar. Um silêncio ensurdecedor. Era quase como se meus
sentidos estivessem paralisados, desligados, fora de funcionamento. Foi uma
sensação avassaladora de uma calmaria que assusta e afaga ao mesmo tempo. Quando
finalmente retomei o controle, a sensação era de que eu havia estado distante
de mim, dos outros, do mundo e daquilo que realmente faz sentido por um longo
tempo. E aí percebi que esse tempo não havia sido esse período de silêncio que
acabara de presenciar. Esse tempo de distanciamento, na verdade, havia sido
quebrado por esse silêncio. Foi como se eu estive desconectada da vida por
longos anos de uma existência não autentica e, ao assistir e ouvir a Julia, a
parede que me separava de mim tivesse se quebrado e agora eu estava livre para
ser nada mais nada menos que apenas eu em meu estado mais puro e cristalino.
Esse vídeo chegou a mim em 2020 e quando entrei em
contato com a teoria de Merleau-Ponty, agora em 2022, pude construir muitas
relações.
Julia traz a ligação dela com o mundo como fruto da
ligação com ela mesma; Merleau-Ponty traz que o nosso corpo é a nossa forma
mais pura de nos relacionarmos com o outro e com o nosso ambiente. É por meio
do nosso corpo que aprendemos, nos relacionamos, temos consciência da vida e
experienciamos ser-no-mundo, ser-com-outro, ser-para-outro e, principalmente,
ser no cuidado com o outro e com o mundo. Essa dimensão do cuidado, que não
aparece tão claramente nessa teoria inicial que vimos de Merleau-Ponty (sendo
mais perceptível nos escritos de Heidegger), mas que para mim tem grande
fundamentação dentro dos conceitos de Ponty, é o que a Julia traz quando diz
que “deve partir de nós o cuidado pelas coisas todas”, um cuidado profundo que
deve ir bem além da superficialidade de apenas perguntar se o outro está bem,
ou de plantar uma árvore, ou não jogar lixo na rua. Um cuidado que se
concretiza no ato de estarmos disponíveis e aptos a nos conectarmos
verdadeiramente com a vivência do outro, aptos a estarmos presentes,
disponíveis e interessados pelo outro e pelo que o outro tem a nos dizer sobre
si, sobre sua passagem por esse mundo e sobre como ele significa aquilo que vive.
Um cuidado com a natureza que desperte em nós a ideia que somos um só, que
somos a partir do momento que estamos em sintonia com ela, que somos nela assim
como ela é em nós. Um cuidado que nos faça aproveitar cada momento como único,
que nos faça perceber que não temos nada além do aqui e do agora, que devemos
ser honestos com nós mesmos e com os demais para vivermos de uma forma
significativa e memorável. Um cuidado que nos una entorno da mesma jornada. E,
principalmente, um cuidado que nos faça perceber que não é preciso diminuir a
existência do outro para fazer a nossa ganhar importância, um cuidado que nos
mostre que somos um conjunto, que somos conectados intrinsicamente como gente,
que sem o outro, eu não me reconhecemos enquanto eu. Um cuidado genuíno e
autentico que unifique, pacifique e ressignifique.
Por fim, trago o que escrevi logo após ter entrado em
contato com esse vídeo/poesia pela primeira vez (tenho esse hábito de escrever
sobre o que me mobiliza):
“Penso que não sou nada além do que a natureza quer
que eu seja. Penso que sou um grão de poeira cósmica que mora no nada e habita
no infinito. Penso que quando me for, voltarei para a borda da criação e
olharei para aquela imensidão – tão vasta quando o vazio da existência – e
sentirei que nada é em vão, apesar de tudo ser um grandessíssimo acaso. Penso
que nada que penso faria sentido se meu eu de antes e de depois não se fizesse
presente no agora”.
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