E vamos de café fenomenológico: Reflexões sobre o pequeno e pálido ponto azul

Hoje iremos publicar o ultimo café fenomenológico deste semestre.

E para encerrar, temos uma reflexão muito interessante do estudante Lucivando, que nos brinda com um belo e potente texto. 




por Lucivando Costa Barros

Reflexões sobre o pequeno e pálido ponto azul

No pequeno excerto do livro “Pálido ponto azul” do astrônomo Carl Sagan, nota-se que a exposição de tópicos importantes e, sobretudo existenciais. A explanação sobre esse pequeno e pálido ponto azul (Terra) coloca o leitor frente a sua própria existência e concebe a ele poder de decifrar a sua insignificância ao universo. Pensar que essa lógica pode ser associada ao filósofo Heidegger diante da existência presente é o direcionamento a refletir.

A angustia é, pois, a mais notória, a que enche os olhos ao pensar sobre nossa existência. A compreensão já proposta por Sagan, no século passado, deixa a margem tudo aquilo que a compreensão humana dita como grandioso. Essa falta de tato em quanto a existência, isto é, que tudo que pertence ao mundo, as coisas, são cabíveis dentro de um pequeno pixel numa foto tirada a milhares e milhares de quilômetros. Os sentimentos, as histórias e as pessoas caiem perante esse abismo colossal que é o universo. O cair aqui refere-se ao pedestal ilustre que possibilita a manutenção dos nossos saberes e poderes. A revelação que somos poeiras das estrelas é predominantemente conflituosa e angustiante não só para aqueles que tiveram contato com as matrizes religiosas diversas, mas também para todo e qualquer individuo que pense o que somos e para onde iremos nesse mar de solidão e angustia chamada vida.

 Relacionar com a angústia heideggeriana com essa dimensão astronômica é pertinente.  A tonalidade afetiva fundamental relaciona-se com o ser-ai. Segundo Feijoo e Costa (2020)

" A angústia lança o ser-aí numa exuberância existencial que o transforma, pois quando o possível se mostra radicalmente a distração mais básica para as ações cotidianas se perde. Quando a angústia se pronuncia, ocorre prontamente uma atividade de supressão dos ditames cotidianos exigindo do ser-aí uma decisão existencial fundamental. Isso ocorre na medida em que tal estranhamento tem relação com a abissalidade da ausência de solo seguro originário e, a partir do momento em que o ser- -aí se confronta com seu fundamento nulo, busca um retorno transformado em relação aos sentidos e significados sedimentados oferecidos pelo impessoal. A angústia serve para exemplificar certo tipo de afinação do mundo que não possui época histórica específica para acontecer". (p.319).

Nesse sentido, os humanos são angustiados por essa retirada desse solo seguro que aqui de fato é a Terra. Não literalmente é claro, mas a concepção de lar para a raça humana. Quando posto por Sagan a finitude das dimensões das ações humanas compreende-se certo relativismo diante da ação humana. Entretanto, o olhar é diferente pois aquilo que se revela como diminuto também engrandece os feitos e as crueldades vivenciadas pelas pessoas. As construções sociais e físicas do homem tratam da qualificação do ser em suas potencialidades.

Somado a isso, determinado trecho é fulcral para essa reflexão. “Em nossa obscuridade, em meio a toda essa imensidão, não há nenhum indício de que, de algum outro mundo, virá socorro que nos salve de nós mesmos.”. O fragmento põe em destaque que estamos sozinhos não só em sociedade, mas também nessa vastidão cósmica. O ponto (gráfico) no texto é um peso gingante a carregar, é tão pesado quanto o qual Atlas, na mitologia grega, suportou. Essa afirmação que por ora é irrefutável coloca o ser-ai no mundo. O cansaço aumenta exponencialmente diante desse encontro com a veracidade.

Diante das incertezas, o que nos resta?  nos resta então a esperança para todo indivíduo, esperança para suportar os pesos cotidianos existenciais. As responsabilidades que são de fato inerentes e, sobretudo parte daquilo que o torna humano e falho. Acreditar em dias melhores não por falta de reflexão, mas sim pelo que há ainda não descoberto nesse incrível e grandioso universo que é a nossa existência.



Referências

DE FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo; DA COSTA, Paulo Victor Maciel. Daseinsanálise ea tonalidade afetiva do tédio: diálogos entre psicologia e filosofia. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, v. 26, n. 3, p. 317-328, 2020.


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