Mais um café-fenomenológico: alunos de Psicologia compartilhando reflexões fenomenológicas

O texto de hoje, trata-se de uma produção dos estudantes de psicologia da UNIVASF.

Uma análise fenomenológica de um trecho do maravilhoso filme O auto da compadecida!

Por Atos Gabriel da Cruz Reis

A angústia e a liberdade são conceitos que o homem discute quando reflete sobre sua existência, e estes parecem que se tornam evidentes quando discutimos o fim da existência humana, a morte. Podemos observar como a morte influencia o modo como vivemos, como nos relacionamos com fatores tão recorrentes à vida. Entendo a angústia pela ótica de Kierkegaard, que a coloca como presente na nossa vida, à espreita, como lugar de tensão na existência, podemos perceber que a angústia do ser humano nos abre um leque de possibilidades, e estas possibilidades nos mostram a liberdade. O presente texto faz conexão com o material para reflexão trazido em aula, o trecho do filme O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, em que Nossa Senhora advoga a favor do padeiro, sua esposa, o padre e o bispo usando do momento em que são mortos por um cangaceiro.

Podemos estar acostumados a pensar na liberdade como fazer o que queremos, quando e onde queremos, mas esta impressão de liberdade acaba nos aprisionando, porque embora tenhamos a sensação de conforto, estamos agarrados em nossas paixões, as nossas vontades, e quando não sabemos como lidar com a vontade, o desejo, acabamos sendo escravizados por eles, logo, não estamos mais livres, pois quando não conseguimos ter o que queremos nos frustramos, a tensão existencial aparece, e nos questionamos sobre a vida. Não que a angústia nos prive de refletir sobre a vida, pelo contrário, ela nos abre essa possibilidade, mas torna-se claro que a liberdade sob a luz de um viés hedônico gera angústia.

Consoante o referido, podemos então ver a liberdade como o pseudônimo Haufniensis nos traz, como a possibilidade de escolha. Conseguir escolher o que não quer ou escolher o que quer nos propicia sermos livres. Às vezes enxergamos fazer tarefas árduas como uma obrigação, mas na realidade obteremos um bem maior em virtude disso, como um aluno que deixa de lado seus interesses de lazer para cumprir com os deveres acadêmicos. A angústia se explicita nestes momentos, o aluno sofre porque não queria fazer, porque se sente obrigado, mas o faz porque almeja ter sucesso, tirar boas notas. Revela-se um conflito entre dois objetos de desejo e suas possiblidades.

Vendo como angústia e liberdade se relacionam, podemos entender o porquê a morte é um fator importante para o ser humano, a relação que este tem com a morte é o que vai discernir as possibilidades e o sentido que estas trazem enquanto está vivo. Para um cristão católico, a morte é uma passagem desta vida para a eternidade, ou seja, a alma terá o bem ou o mal, para sempre, e este cristão entende que pode escolher entre o bem, compreendido como a vida eterna, o paraíso, ou o mal, a morte eterna, o inferno. Ir para o inferno ou o paraíso é uma questão de escolha, escolhe-se viver de acordo com as possibilidades, ou seja, a liberdade é o que vai orientar o caminho para o que se quer, entendendo-se então que, vai para o inferno quem escolhe ir, como uma via trilhada em que o mal é apenas o destino final, uma consequência causada pela escolha, como quando se caminha em direção a um parque e chega-se ao parque, e não como punição do que foi escolhido.

Concebe-se então, que a liberdade de escolha para poder agir é fruto da angústia, e que ir para o Céu ou para o inferno é o que norteia a vida de um cristão. A liberdade sob a luz filosófica cristã católica conversa com a proposta por Kierkegaard, pois ambas, em síntese, nos propõem que agarrar-se às coisas finitas nos prende, cerceia a liberdade, pela própria inconstância do que é passageiro, e nos causa o mal, ou seja, angústia. Podemos perceber como este modo de pensar tem grande influência na civilização ocidental, e, correlacionando com a angústia de Sartre, em que o homem é responsável pelo que faz e sofre as consequências de suas ações, fica lúcido que a vida de uma pessoa é moderada por como esta percebe a morte, independente da crença, seja vivendo segundo suas vontade e subjetividade, seja almejando amar a Deus e chegar ao paraíso.

No filme citado incialmente, fica evidente que, apesar de Nossa Senhora advogar em favor dos falecidos no julgamento de suas almas e querer que vão para o Céu, ela pôde fazer isso por meio do desprendimento que os personagens tiveram no momento da morte, seja a mulher do padeiro se livrando do medo de perder o marido e pedindo perdão, seja o marido se livrando das mágoas e perdoando-a, ou os sacerdotes, desapegando-se da vida terrena. A atitude reflexiva de não se agarrar às coisas causada pela angústia diante da morte os possibilitou serem livres e consequentemente alcançarem o paraíso. O filme é de importância pessoal porque retrata um cenário sertanejo e católico de forma divertida sem ser desrespeitosa, eu ser católico e catequista, além de ser uma obra popular e relevante para o cenário nacional.        

 https://youtu.be/H9Jtth2dsHQ?t=8274- (a análise foi feita do trecho  trecho de 2:17:55 a 2:22:19)

Referência:

FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de et al. Kierkegaard, a Escola da Angústia e a Psicoterapia. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 35, p. 572-583, 2015.


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