"Notas do que vivi e aprendi sobre amor"

 O texto de hoje, trata-se de reflexões tocantes de uma aluna do curso de psicologia, que produziu estas lindas palavras para um trabalho da disciplina Psicologia Fenomenológica-Existencial II. Este trabalho recebeu menção de destaque no semestre de 2021.2.

Por Érica Rodrigues da Silva

                                                       Imagem de autor desconhecido


Contar o que me tomba, o que me toma e me arrebata. Os encontros desamarrados e desarmados. A abertura ao toque e ao desarranjo em mim. Reviver as memórias, esperar atenta e tranquila a experiência que virá e por certo me tomará feliz.

 

“Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco”, e eu compartilho dessa crença de Larrosa, pois encontro na escrita uma ferramenta poderosa para traduzir o que se passa no meu olho-coração. Olho que vê, que é mão, que é respiração, coração que sente e alimenta até as extremidades desse corpo que habita um espaço, numa determinada época, que pelas linhas tecidas da vida chegou a se questionar sobre a experiência do amor, e indo um pouquinho mais longe, sobre como essa afeto-ação sai de nós a explodir nas artes.

Não me lembro como começou esse caminhar direcionado aos sentimentos e afetações, sei que sempre me coloquei em risco para sentir o novo. Olho para as marcas bonitas deixadas pelas primeiras vezes que me aconteceram e elas me tiram sorrisos largos, pois compreendo que viver é colocar se em risco, a experiência, como diz Larrosa, contém a dimensão de travessia e perigo. No amor não seria diferente, amar é se direcionar a outrem, desejando um retorno desse olhar, mas entendendo a aposta feita nesse laço. Gosto de apostas, mesmo perdendo muitas delas. Também me deleito nas perdas, elas fazem espaços para novas inscrições em meu ser que se metamorfoseia a cada encontro.

Minha trajetória com o tema se faz como uma colcha de retalhos, sempre volto a essa metáfora, uma vez que apenas uma definição não conseguiria abarcar toda a complexidade da experiência, me coloco como um sujeito “ex-posto” para ler, ouvir e ser atravessada, pois na matéria do amor e da arte, só o texto acadêmico não me basta, o visceral me chama, o relato da experiência me atrai, quero saber com quais palavras, com quais tintas, ou arranjos musicais o amor atravessará o espelho da carne para fora dela, indo ao encontro de outros sujeitos.

Vejo muito dos amores reverberando para fora dos corpos em forma de arte na tentativa de apresentar ao outro exatamente aquilo que sentimos, acredito que esse movimento é feito para enxergamos fora de nós o que se passa dentro, as sensações capazes de dilatar pupila, de acelerar coração e de cessar as palavras. Merleau-Ponty considera que o corpo humano é marcado por um movimento de inacabamento e de abertura para a criatividade, logo, tudo quanto for vivido, e refletido no silêncio tem o poder de ser traduzido num poema, como “O amor é uma companhia”, do Fernando Pessoa, numa tela com sobreposição de cores, como “Os Girassóis”, de Van Gogh, ou numa canção envolvente, como em Preciso dizer que eu te amo, de Bebel e Cazuza. A escrita merleau-pontyana ainda aponta a procura constante do corpo humano em produzir novas elaborações, que resultam na criação de diferentes estilos de vida. Nessas novas criações, a vulnerabilidade nos abre para o encontro com o outro e, ao mesmo tempo, nos lança na aventura de nos reinventarmos cotidianamente enquanto corpo próprio.

Fecho a escrita, mais uma vez, com Larrosa: “o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos. ” Aprendemos a viver, a ser, e a arte-amar “na prova e pela prova, com toda incerteza que isso implica”. Páthei máthos.



Este vídeo foi produzido pelos alunos de Psicologia da UNIVASF

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