Essencial pra quem?

 Caro(a)s leitore(a)s. O texto de hoje é uma contribuição de uma das monitoras do projeto de Monitoria Acadêmica Em Psicologia Fenomenológica-Existencial, da Univasf. 

Por Amanda Laís

“(...) Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada, por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.”

(Fernando Pessoa)

 


Tenho refletido sobre o que vale a pena ser mantido. A essencialidade das coisas é algo que não nos ensinam a definir, nem mesmo nos dão uma dica. Estamos por conta própria na missão de distribuir os passes que temos disponíveis para os momentos, sentimentos, relações, etc, etc… e a pergunta que fica é: quão livres são os passes que temos dado para cada coisa na nossa constante e pulsante vida? Qual é a importância destinada a tudo o que mantemos ao longo dos nossos dias? E, melhor ainda: quem está definindo o que merece ganhar o título de essencial na vida que é nossa, mas os outros também atravessam? Não quero refletir apenas eu, sobre, talvez, uma das maiores responsabilidades que temos enquanto seres-no-mundo, por isso, estendo um convite a você que, voluntariamente, escolheu ler esse texto. Afinal, creio que escolher intencionalmente o que é essencial, só engrandece as nossas existências.

Muitos são os lados, as direções e as informações que constantemente acabamos por olhar. As referências externas às quais nos atemos são tantas, que às vezes nos fazem enxergar tudo, menos quem realmente somos. E, aos poucos, a nossa própria vida se torna cada vez menos sobre nós. As nossas escolhas são guiadas cada vez menos pelo que tem um sentido real para quem somos. As nossas ações se enchem cada vez mais de “alheísmos”, porque nos tornamos cada vez menos nós e cada vez mais alheios a nós. E assim se estende o vício corriqueiramente encontrado nos tempos em que vivemos - o de fugir da própria responsabilidade de encontrar, em si, o que faz sentido deixar entrar, manter e liberar ao longo da nossa existência. Então, se não somos nós, quem está escolhendo por nós? Se não temos vivido uma vida autêntica, então, o que a tem tornado inautêntica? E, ainda, quanto estamos pagando pelo nosso modo de existir no mundo? Porque, penso que sempre há um preço em ser quem se é.

Que somos seres-com e que os outros, inevitavelmente, atravessam a nossa existência, fazendo parte de quem somos, não podemos e nem ao menos queremos negar. Talvez, a grande questão seja que, atualmente, vivemos com um “excesso de outros”. As opiniões são tantas, as influências constantes e os “modelos ideais” gritam constantemente como devemos ser, como a vida deve fluir. É assim que facilmente os nossos dias, as escolhas, as formas de viver deixam de ser sobre nós e passam a ser sobre os outros.

Acredito que a importância do “essencial” mora nesse ponto. Temos licença para definir o que é essencial para quem somos, a partir do momento em que nos entregamos essa licença e nos reconhecemos como responsáveis pelo que deixamos ocupar um espaço e ter voz, em nós, e em nossos dias. Por isso, o último convite que ficará aqui será o de refletir sobre a importância que damos a tudo o que nos cerca. A ponderação do que vale ficar e do que já está na hora de se despedir. Mas, principalmente, vale incluir na reflexão a identificação de que(m) está tendo um espaço suficientemente grande para nos fazer acreditar que devemos fazer o que fazemos e existir como existimos. Somos nós?

 

 

“Depois de todas as tempestades e naufrágios o que fica de mim e em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro.” (Caio Fernando Abreu)

 

E que assim seja!

 


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