E como vai a saúde mental dos nossos atletas?

Por Roseana Pacheco Reis Batista
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Fenomenologia, Esporte e Educação (NEPFEE)
Grupo de Estudos em Psicologia do Esporte e do Exercício (GEPEEX)

Seguindo a sequência de matérias que trazem temas da Psicologia do Esporte durante a quarentena, para atletas com e sem deficiência, equipes esportivas, treinadores e comunidade em geral, discutiremos hoje sobre a saúde mental em atletas.
Vista ainda como tabu no contexto esportivo, a saúde mental é um tema que desperta interesse e tem ganhado destaque nesse momento de pandemia, em virtude dos impactos biopsicossociais e ambientais que a Covid-19, e as medidas tomadas pelos governos para conter o seu avanço, podem causar na vida dos indivíduos.
Sabe-se que os atletas profissionais estão mais suscetíveis ao adoecimento psicológico (como depressão, ansiedade, abuso de álcool e outras drogas, transtornos alimentares, entre outros) em relação a população em geral (Pierce, Lester, Seth, & Turner, 2018), por serem constantemente submetidos a eventos desgastantes, tanto física quanto psicologicamente. Algumas situações características da participação esportiva podem favorecer esse adoecimento, como: aposentadoria, lesões, queda de desempenho, pressão por resultados, excesso de treinamento, exaustão, entre outros fatores.
Estudos com atletas para esse novo contexto estão em andamento, mas os resultados de um estudo recente, realizado por Filgueiras e Stults-Kolehmainen (2020), já indica um agravamento na saúde mental da população brasileira em geral, em decorrência desta crise. Aumentando assim, a preocupação em relação à saúde mental dos atletas brasileiros.

Entendendo a importância desse assunto para o momento atual, convidamos dois psicólogos que trabalham com Psicologia do Esporte para falar sobre a saúde mental no contexto esportivo. São eles:

Rodrigo Almeida Damasceno
CRP-21/02561
Sou psicólogo formado em 2015 no Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA, Teresina-PI). Especialista em Tanatologia (CENSUPEG) e mestrando em Educação. O foco do meu estudo tem sido a relação entre a psicologia do esporte, a psicomotricidade e as crianças diagnosticadas com TEA, tendo como principal objetivo trabalhar e compreender o esporte como ferramenta terapêutica para essas crianças. Estou desenvolvendo um modelo, chamado “Modelo TEA-Jutsu”, junto com o meu sócio César Soromenho, na clínica que possuímos juntos em Teresina-PI, a Clínica Soromenho (@clinicasoromenho), e estamos começando a muscular esse trabalho, a fim de poder começar a divulgar através de cursos e capacitações para as pessoas que tiverem interesse, não só da Psicologia, mas também pessoas envolvidas no contexto esportivo, assim como profissionais e estudantes de outras áreas. Também sou professor universitário, ministro a disciplina de Psicologia do Esporte em uma faculdade particular e a disciplina de Psicologia da Saúde para o curso de Psicologia e outros cursos da área de Saúde. Fundei o primeiro Grupo de Trabalho (GT) de Psicologia do Esporte, no Conselho Regional de Psicologia do Piauí (CRP-21). Esse grupo de trabalho se transformou depois em uma comissão, composta por profissionais e estudantes de Psicologia e profissionais convidados, como os da área de Educação Física. E o principal objetivo da comissão é divulgar a Psicologia do Esporte nos Institutos Educacionais (IEs), em atividades e promover eventos e articulações com outros segmentos no município de Teresina e em todo o estado do Piauí. Atuo na área clínica da Psicologia do Esporte, passei por várias modalidades. Sou vinculado a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), ao CT Piauí, um clube de Teresina. Trabalho com Atletismo, já trabalhei com Badminton, com Jiu-Jitsu, com Wrestling (luta olímpica). Atualmente estou mais na clínica esportiva, onde faço um trabalho com a preparação psicológica de atletas no contexto da clínica para que eles possam fazer o trabalho de periodização ao longo de sua preparação esportiva de uma maneira geral.
Instagram: @rodriguinhopsi


Telma Sara Queiroz Matos
CRP-04/28317

Sou Doutora em Psicologia (USP-Ribeirão Preto); Mestre em Educação; Bacharel e Formação em Psicologia; Graduada em Licenciatura Plena em Educação Física. Docente do Curso de Psicologia da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), onde supervisiono estágio em Psicologia do Esporte e coordeno um Projeto de Extensão intitulado “Psicologia do Esporte e Saúde Mental: práticas corporais como intervenção terapêutica junto aos pacientes do CAPS.

Instagram: @psicologatelmamatos  






Para começar, vamos esclarecer o que entende-se por “Saúde Mental”.

De acordo com Telma Matos, definir Saúde Mental não constitui uma tarefa simples. Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha sido a primeira organização internacional a se responsabilizar pela Saúde Mental, essa instituição ainda não contempla uma definição oficial para ela.
A OMS entende a Saúde, de modo geral, como multifatorial. Segundo a definição vigente, a saúde é caracterizada não apenas pela ausência de doença ou enfermidade, mas por um estado de bem-estar físico, mental e social, sendo atravessada por indicadores culturais e ambientais. Telma salienta que para compreender a saúde mental, especificamente, devemos entender que não há um parâmetro de medida do que seria uma “saúde mental ideal” ou uma “boa saúde mental”, pois cada ser humano é único e há muitas culturas diferentes que ditam o que é bom para cada grupo.
Ainda de acordo com Telma, podemos elencar alguns aspectos para pensarmos o que promoveria uma “boa saúde mental”, como: boa qualidade de vida cognitiva ou emocional (mente); conseguir apreciar a vida; estar de bem consigo mesmo e com os outros, reconhecer as exigências da vida e lidar com elas, saber lidar com as emoções, as boas e as desagradáveis; reconhecer seus limites; buscar ajuda quando necessário.
Rodrigo Damasceno ressalta o papel da Psicologia na promoção da saúde mental, indicando que a saúde mental está atrelada à área de atuação e práticas do psicólogo, que entra nos aspectos do trabalho do autoconhecimento, dos aspectos emocionais e das práticas emocionais do indivíduo, onde ele possa a estimular ou trabalhar a sua psique de uma maneira geral.

Mas como a saúde mental é compreendida no contexto esportivo?
Segundo Telma, no esporte, faz-se relevante entender que o atleta é um ser humano. E como todo ser humano, possui limitações, e que esses podem desenvolver problemas emocionais que vão além das questões relacionadas ao ambiente esportivo. A Psicologia do Esporte configura-se como uma área de saberes que têm como objeto de estudo as diferentes dimensões psicológicas da conduta humana no contexto esportivo. No entanto, isso não quer dizer que o Psicólogo do Esporte (PE) não pode acolher o atleta em sofrimento. Embora as demandas imbuídas ao Psicólogo do Esporte seja em torno do alto rendimento, esse valendo de seus conhecimentos em Psicologia, sua sensibilidade diante desse humano atleta, desenvolve estratégias de intervenção (acolhimento, escuta, aconselhamento, dentre outros), sendo que quando essas queixas ultrapassam seu trabalho como PE, ele deverá realizar o encaminhamento para um Psicólogo Clinico e manter com esse um diálogo de reciprocidade, obedecendo aos limites éticos da profissão.
Rodrigo complementa que a Psicologia do Esporte centra no cuidado, no fortalecimento, ou preparação mental do atleta, onde a saúde mental é fundamental para o atleta, esteja ele em nível amador, categorias de base, transição de carreira ou esporte profissional (alto rendimento). Ele diz que a saúde mental pode afetar na prática do atleta, que diante de tantas adversidades encontradas em sua vida ou no contexto da modalidade que prática, deve manter um equilíbrio emocional, pois uma vez que acontece algum tipo de desordem, um problema, que não é trabalhado, pode afetar de forma direta ou indireta, positiva ou negativamente, o rendimento desse atleta.
Vendo também o trabalho da Psicologia do Esporte como preventivo, Telma acrescenta: temos que pensar nas questões relacionadas à qualidade de vida.  O atleta para desenvolver-se nos aspectos físicos, técnicos/táticos e psicológicos para o alto rendimento, precisa estar bem nas diversas esferas da vida. Se algo não está bem, no âmbito emocional, isso vai reverberar de alguma maneira no seu rendimento como atleta. A sensibilidade do PE, bem como de toda equipe multidisciplinar (técnicos, médicos, fisioterapeutas, nutricionistas) faz-se necessário nesse momento, no sentido de entender o que está acontecendo com esse atleta. Podemos elencar as depressões, ansiedades, transtornos de pânicos e outras enfermidades que podem acometer esse atleta, que é um ser humano, o qual merece cuidado e atenção de todos aqueles envolvidos com ele. 



E o isolamento social, como pode afetar a Saúde Mental dos atletas?
Telma enfatiza que: pensar em processo de isolamento social e saúde mental é algo bem complexo porque cada pessoa interpreta ou ressiginifica esse momento de maneira singular. Para alguns o isolamento está propiciando oportunidades de se reinventar diante as adversidades, ou mesmo proporcionando encontros dentro de suas próprias casas. Para outros, o momento está conturbado. As incertezas e inseguranças geram angústia e até mesmo ansiedade, pois não se sabe o que resguarda o futuro. Com o atleta não é diferente, eles(as) estão diante de várias inconsistências, sejam elas campeonatos adiados ou remarcados (porém sem uma data prevista); impossibilidades de treinamentos, sejam elas por que não dispõem de ferramentas, ou mesmo por que não tem condições locais de treino. Enfim, inúmeras são as questões que podem gerar alguns sentimento ou emoções internas conflituosas. Um alento aos atletas de alto rendimento, com competições importantes que foram postergadas, é que esse adiamento ocorreu para todos. Todos de certa forma estão “impedidos” de treinar ou aprimorar seus treinos nesse momento. A questão é que essas compreensões são muito subjetivas, pois perpassam a ordem do que é singular, o do como entender as adversidades e transpô-las. É muito mais que elencarmos os aspectos resilientes de atletas, mas sim lançarmos um olhar às particularidades vividas por esse grupo, o qual sempre é cobrado o ter resultado. E que se veem hoje diante desse sentimento de não estar “rendendo” e nem tampouco, desenvolvendo-se.
Outro aspecto que merece ser mencionado, é que ao atleta, o ócio, o tempo livre configura-se como uma circunstância diferente das vividas nos últimos anos, pois esse atleta, mesmo em períodos de férias, isso quando tinham, estavam sempre envolvidos por um processo de descanso ativo, em que a periodização é que ditava os próximos processos a seguir. Vivenciar o tempo agora, para muitos atletas, é algo muito diferente de suas experiências anteriores relacionados ao esporte de alto rendimento.
Rodrigo ressalta que: o período de isolamento acaba por deixar todos ou a grande maioria da população vulnerável, porque acabamos por ser bombardeados de informações, que podemos chamar de “infoxicação” (derivada da junção das palavras informação e intoxicação), que acaba por deixar mais ainda aquela pessoa vulnerável, deixar em uma situação que pode desencadear em um processo de adoecimento. Afeta também os atletas que estavam em uma preparação ou estavam dentro de um ciclo de preparação, em uma periodização do treinamento, que foi afetada e tem que procurar ser readaptada.
O psicólogo traz alguns pontos importantes para que os atletas e equipes estejam atentos nessa quarentena: É necessário ter uma comunicação com o atleta e as pessoas que estão ao seu redor, principalmente porque na medida em que ficamos vulneráveis, temos dificuldades em nos expressarmos, ainda mais se o atleta já tinha esse comportamento antes da pandemia. Nesse momento tende a haver uma maior incidência dessas questões. Nesses casos, há a necessidade de ter um acompanhamento psicológico, de uma equipe multiprofissional, com ações psicoeducativas. Atualmente é comum termos medo de contrair a doença, então podemos manter os hábitos de higiene e seguir as recomendações dos órgãos de saúde. Tentar enfrentar esse momento como um momento de aprendizado, onde desse aprendizado nós vamos nos readaptar, vamos tentar resignificar algumas situações. Procurar estabelecer metas mensuráveis, por mais que a periodização esteja afetada. O atleta pode movimentar e estimular o corpo de diversas formas: um estudo, uma leitura, assistir um filme, fazer uma prática de meditação, um trabalho de mindfullnes. Com esse momento parado, dá para pensar e discutir sobre algumas possibilidades, treinos, antes impossibilitados pela rotina que consumia o tempo. Uma delas é a questão do autocuidado. O psicólogo coloca uma provocação, para que o atleta possa pensar: “Eu. enquanto atleta, estava cuidando da minha preparação mental? Tendo um cuidado de fato com a minha saúde mental?”. É um tempo de reflexão.


Para finalizar, deixamos algumas recomendações para os atletas.
Preocupados com o impacto desse momento na vida dos atletas, a Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP) e a Associação de Psicologia do Esporte Aplicada (ASSP), desenvolveram algumas recomendações para que os atletas enfrentem esse momento. Considerando essas recomendações e o que foi colocado aqui pelos psicólogos, fizemos um compilado dessas informações:

1. Mantenha-se ativo, se puder. Sabe-se que a prática da atividade física e do exercício exerce influência positiva no bem-estar mental e na prevenção e tratamento do adoecimento psicológico. Busque formas de se manter ativo com o espaço e equipamentos que dispõe, e de acordo com as orientações do seu treinador e dos órgãos de saúde competentes;
2. Mantenha contato virtual com colegas de equipe, comissão técnica e outros atletas para trocar experiências. Procure manter ainda contato com sua família, amigos e redes de apoio;
3. Continue seguindo as recomendações da comissão técnica sobre: treinos, alimentação, sono e terapias auxiliares. Tente manter uma boa alimentação e boa qualidade do sono, para auxiliar quando tiver que retornar à rotina de treinamento intenso;
4. Aproveite esse momento para focar no autoconhecimento e no autocuidado. Sabe aquele curso que você queria muito fazer, ou livro que você queria muito ler, ou habilidade que você gostaria de aprender (como cozinhar, etc.), mas nunca teve tempo por conta da rotina anterior? Esse pode ser o momento de fazer algo que gosta ou aprender algo novo;
5. Reorganize e replaneje sua rotina, prazos e objetivos, incorporando metas a curto prazo, focando no hoje e no dia seguinte. Se precisar de ajuda, busque auxílio profissional;
6. Foque naquilo que você pode controlar: procure não pensar em seu desempenho em competições futuras. Deixe esse tema para o término da quarentena. O que você pode fazer quanto à doença, por exemplo, é controlar seus próprios hábitos, seguindo as recomendações dos órgãos de saúde competentes;
7. Informe-se em locais e fontes confiáveis. Estabeleça um determinado momento do seu dia para informar-se em fontes oficiais e confiáveis, busque não ficar o dia todo focado nisso. Informações em excesso podem favorecer o adoecimento;
8. Busque ajuda profissional, caso seja necessário.
Lembre-se que, numa situação atípica como a que estamos vivendo, tudo bem não estar tão bem assim. Respeite seu tempo e tente não se cobrar tanto. Mas fique atento aos sinais de adoecimento mental, converse com as pessoas de sua confiança e busque ajuda profissional.


Fontes:
- 6 dicas para atletas manterem a saúde física e mental na quarentena (Associação Brasileira de Psicologia do Esporte – ABRAPESP): https://www.instagram.com/p/B_TYF4LFRhb/

The COVID-19 Pandemic: Tips for Athletes, Coaches, Parents, and the Sport Community (ASSP): https://appliedsportpsych.org/blog/2020/03/the-covid-19-pandemic-tips-for-athletes-coaches-parents-and-the-sport-community/

Outras indicações de leituras (livros, sites e redes sociais):
- Fique ligado também nas matérias que a Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPES) preparou para esse período de quarentena, em: @abrapesp
- Artigos sobre Psicologia do Esporte disponíveis na Revista Brasileira de Psicologia do Esporte (RBPE): www.abrapesp.org.br/revista
- Livro com diversos temas na área de Psicologia do Esporte: Conde, E. et al. (Orgs.). (2019). Psicologia do Esporte e do Exercício: Modelos teóricos, pesquisa e intervenção. São Paulo: Passavento. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Psicologia-Esporte-Exerc%EDcio-te%F3ricos-interven%E7%E3o-ebook/dp/B0817YBWBN
- Lives com temáticas em Psicologia do Esporte: @rodriguinhopsi
- Psicologia do Esporte e lutas: @fightinco
- Organização Mundial da Saúde: https://www.who.int/en/

Referências Bibliográficas
Filgueiras, A., Stults-Kolehmainen, M. (2020). The Relationship Between Behavioural and Psychosocial Factors Among Brazilians in Quarantine Due to Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3566245 ou http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3566245
Pierce, N., Lester, C., Seth, A., & Turner, P. (2018). The role of physical activity and sport in mental health. Faculty of Sport and Exercise Medicine UK. Disponível em: https://www.fsem.ac.uk/position_statement/the-role-of-physical-activity-and-sport-in-mental-health/
Santana, C. L. A.; Rosa, A.S. (2016). Saúde mental das pessoas em situação de rua :conceitos e práticas para profissionais da assistência social / Carmen Lúcia Albuquerque de Santana, Anderson da SilvaRosa, organizadores. -- São Paulo : Epidaurus Medicina e Arte.

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